sábado, 26 de dezembro de 2020

Não dou bola pra isso

Suponhamos que uma nação tenha escolhido um novo líder, em nome do fim da corrupção, dos bons costumes e de uma moral ilibada. E que esperava que de fato tudo isso acontecesse, haja visto que se trata de um membro das forças armadas deste mesmo país, que, no imaginário, seria um símbolo de organização e justiça.

A sua população terce para que as estratégias militares sejam suficientes para colocar ordem no caos. Mas começa a perceber que as estratégias estejam esquisitas.

Não só esquisitas: esdrúxulas. Onde se esperava uma atuação, tem-se a ausência. Dado que diante de uma suposta pandemia, o governo de experiência militar pudesse usar de táticas militares para combater a doença, o que acarretaria inclusive na defesa dos seus próprios soldados.

Em vão. Na verdade, diante dos estudos da possibilidade de que a vacinação, depois de cansáveis estudos científicos, a resposta deste líder seja "Não dou bola para isso". Talvez o povo se pergunte: não há tática de guerra para, sequer, defender soldados?

Na verdade não. Esse suposto líder deixou exposto ao seu povo de que ele não tem nenhuma tática. Não liga para o povo e muito menos para a nação a qual ele representa. Pegou gosto pelo poder. Onde se espera uma atitude, tem chacotas. Onde teria exigências, tem palhaçadas.

Este líder desta nação não percebeu que ele expôs que, as forças armadas, que deveriam estar a postos para defender a nação, nada fez, e vira motivo de piada. Isso por que os ministros que o rodeiam também são militares. E apoiam tal situação. Onde esperava-se um líder para ordens bélicas em defesa de seu próprio país, há nesse país alguém que prefere brincar. E assim o inimigo só aumenta. Só cresce. E o líder continua a achincalhar.

Pobre líder, não percebe que expôs que, se fosse uma guerra de fato, estariam dominados e vencidos. Expôs a flacidez e o despreparo dos seus militares ante a uma crise sanitária global, em que nenhuma estratégia militar foi aventada. Nada. Expõe sua população ao ridículo e a morte, pois o povo dessa nação segue morrendo nessa suposta pandemia, sendo que a possibilidade de se ter uma defesa é dada e real. E que é real que o mesmo líder sequer se compadece dos mortos. Aliás, declara pouca importância. Mas, preferiu zombar, pois o seu país está atrasado na corrida pela vacina, pois ninguém fala para o mesmo o que ele deve fazer.

Se fosse uma guerra de armas, a estratégia de defesa teria sido falha e o território da nação teria sido entregue ao inimigo sem o mínimo de esforço. Não que isso não tenha acontecido, que o inimigo esteja vencendo, e que a pandemia esteja próxima dos duzentos mil mortos. Não que essa nação não esteja em uma guerra de fato.

Em nome da moral e dos bons costumes lá está ele, não dando bola para sua própria pátria.   

domingo, 20 de dezembro de 2020

O silêncio das cigarras

Outubro é mês de barulho noturno. É mês em que as cigarras começam a fazer o seu trabalho musical e a chamar as suas fêmeas. Quem canta é o macho. Quem escuta é a fêmea e os seres humanos.

As cigarras anunciam a chegada do verão, sem qualquer exatidão temporal. Cantam em época próxima. Ou antes, ou depois. Não muito antes, nem muito depois. Começam seus barulhos e tornam a noite um silêncio ensurdecedor. Anuncia o verão, anunciam o laranja das tardes.

Este ano, uma cigarra cantou. Pode ser que não fosse uma cigarra. Fossem várias, mas poucas. Ouvia-se de longe. Ouvia-se timidamente, como uma resistência. Ainda ela cumpre o seu papel diante da natureza e de sua própria reprodução. O mês de dezembro é o mês em que a orquestra está toda unida. Havia o spala tocando sozinho, um solo solitário, sem acompanhamento posterior, sem prelúdio, sem finalização.

A persistência do cântico era duradouro. Parecia chamar as outras cigarras a acordarem de um pesadelo, levantar-se diante da sombra, levantar-se diante da depressão. Só ela cantava, chamava possível fêmea, chamava possíveis machos. 

Não se ouvia outros cantares. De qualquer jeito, o que se ouvia era o silêncio que qualquer noite de qualquer época do ano possui. Dezembro estava com cigarras silenciosas, tímidas talvez. Inexistentes. Exceto aquela, que de longe, gritava para o barulho de pneus distantes, buzinas mais distantes ainda e festas com músicas estridentes e longínquas.

Dezembro atípico. Cigarras ou não saíram da terra ou resolveram se calar. Permaneceram mudas, ininterruptamente, mesmo que o vibrar do seu corpo pudesse produzir o som. Não anunciaram nada. Exceto aquela, que de longe insistiu em dizer que as tardes são longas e as manhãs são mais cedo. Canta possivelmente sozinha. Berra, berra ao longe. Pranteia o dezembro.  

Esse ano não houve outubro. Não ouve o dezembro. As cigarras aguardam sóis mais estridentes. Solos mais encharcados.

Amanhã será mais uma noite. E a cigarra talvez surja. Pode ser que se una ao teatro mudo. Quem sabe o anúncio deste ano seja o silêncio.