domingo, 12 de fevereiro de 2017

Aqui tá chovendo

Quando telefonamos a qualquer pessoa, as primeiras informações que tentamos levantar é a respeito da condição pessoal. Um famoso "como vai", "e a família", acabam virando frases cotidianas, que tentam demonstrar um mínimo de preocupação alheia. Porém, os nascidos do século XX presenciavam com frequência um outro tipo de preocupação: o clima.

Pode até parecer bobo da parte do sujeito, porém o clima do local onde o sujeito se encontra era um modo frequente de estar a par de possíveis problemas: "faz muito sol", "está muito calor ai", até que chegamos ao alvo desta discussão, que ficou famoso nos últimos tempos, " tá chovendo ai?".

Um áudio foi rapidamente disseminado por entre as mídias brasileiras, em que provavelmente uma idosa conversa com outra pessoa, iniciando a conversa pela frase "Tá chovendo ai, aqui ta chovendo!", logo após, a resposta que segue é "Ta chovendo, choveu a noite inteira e ainda tá chovendo". Ganhou espaço nos canais de televisão e nos canais do youtube. Ganhou notoriedade e espaço pra chacota: a pobre velhinha que queria puxar uma conversa, tornou-se motivo de piada.

O áudio é um tanto engraçado, porém prefiro ver um outro lado: que chuva é essa que ela tanto se preocupa?

Paro pra pensar e vejo que provavelmente ela tenha vivido em um espaço, em que a chuva poderia ser sinal de bons tempos: aquela que molha a terra, que faz germinar as sementes, que alivia a secura das plantas. Se fosse uma agricultora, seria um momento de alívio. Mesmo na condição de agricultura, um exagero de chuvas poderia acabar com a plantação pode ser também um sinal de perigo.

Todos sabem que dormir com chuva é algo extremamente hipnotizante. Dormimos com muito peso, satisfazemos nosso descanso. Pensando dentro dessa possibilidade, a chuva pode ser um tranquilizador, um fato que acalma, que age como um tranquilizante pra situação. Pode-se dormir tranquilamente, não tem-se a necessidade de se preocupar com os problemas que estão fora da casa. Como um momento de se resguardar.

A pobre idosa então, ao meu ver, preocuparia-se com 2 coisas: primeira, com um desejo de esperança e de preocupação naquilo que se produzirá; segunda, um desejo de tranquilidade, de calmaria, uma busca de paz.

Olhando desta maneira, vejo que de certa maneira, a velha senhora procurou uma alternativa para metaforicamente poder verbalizar a sua preocupação com o outro e assim também expor suas condições. "Aqui tenho a esperança de que minha produção venha a dar certo", ou "Aqui estou tranquila".

O áudio demonstra também a voz de um sujeito com sotaques sulistas, demonstrando que esta "velha do diabo" nada teria que ficar falando de chuva. Veja, ele também ganhou seu espaço: não consigo viver em calma, não é meu problema a tranquilidade ou os frutos alheios, não dou conta do que  outro tem a dizer.Como a representação de que a vida cotidiana afasta nossas condições de tranquilidade e boa colheita. Não há. Não produz. Não descansa.

Entre um caos e uma calmaria, essa senhora me ensinou que precisa chover mais por muitos lugares, que precisamos compreender que sim, ao chover, nos resguardamos, tornamo-nos mais reflexivos debaixo de nosso telhado. Precisamos pensar mais quais são os tipos de chuva que estão no nosso terreno, tendo em vista que conseguimos transformar uma chuva num tremendo de um temporal, talvez com furacões, talvez em conflitos pessoais.

domingo, 5 de fevereiro de 2017

A culpa da semente

De mensagem a mensagem percebemos que nossa comunicação tem sido cada vez mais aprimorada. O que demorava dias, faz-se em segundos. Estamos num mundo cheio de expectativas e desejos. Mas podemos acreditar que tudo funciona neste modo?

Não. Nem tudo merece ou acontece diante de pressa. Acontece aos poucos, aprimora-se. Porém vivemos em uma situação em que acabamos transformando tudo num tipo só de resposta: imediatamente.

Lembro-me de um velho experimento que, com um pouco de algodão, um feijão e um copinho, fazíamos nascer um pequeno pé de feijão. Éramos pequenos agricultores. Era fantásticos. Mas não me lembro de ter tido a sorte de ter tido uma professora que replantasse a pequena muda ou que testasse o experimento com outro tipo de semente. Mas aprendi por conta que cada semente tem seu tempo de germinação.

Digamos que vivemos numa sociedade em que esperamos que valores e amores sejam necessariamente como um único tipo de semente: um pouco de água basta e lá surge de tudo. Acreditamos no potencial da semente, mas ela não é a planta em si.
 
Esperamos do outro que, aquilo que ele planta ou que plantamos na outra pessoa, de imediato transborde. Seria como se estivéssemos dizendo que a semente em si produz frutos. Não, não produz. Ela demora, caminha. Cada qual tem seu tipo de semente. Seu tempo de germinação, de eclosão.

Vemos dois tiques azuis no WhatsApp e cremos que houve uma leitura de imediato. A comunicação pode ser comparada a um feijão. Muitas vezes observamos que espera-se que o feijão produza ramas e vagens de imediato. Não, não faz isso. Leva ainda tempo.

Sabores, amores, valores. São sementes duras que necessitam de tempo, cautela e persistência. Planta-se e demora-se. Nutre-se de tempo em tempo. São sementes que não se pode regar demais, senão apodrece. Sem nutrição qualquer, morrem. Precisam de muita terra e  boa profundidade. E assim podem expor seu potencial.

Vivemos porém como se essa tão aprimorada semente germinasse de imediato.  Não, ela não produz frutos se antes não for planta, se antes não criar raiz. Sentimentos precisam ter raiz forte, doutra forma, rompem-se. Se se exige demais dos sentimentos, se a água demasiadamente rega a semente, apodrece. 

 A culpada é a semente, assim julga-se costumeiramente. Culpam-na como quem culpa o fato de não compreender a pressa do mundo. Culpam-na de ser ineficiente, ruim e pobre.

Precisamos reaprender a lidar com o ser humano. Compreender que cada um tem seu tempo e espaço e que  precisa ser nutrido nas devidas proporções. O mundo não é um mar de feijões em algodão. Temos araucárias, cedros, ipês. Cada qual deve ser cuidado conforme sua especificidade. O amar é a mesma coisa: é árvore robusta, cuja semente não gera frutos de imediato. Precisa ser árvore, precisa ter forte raízes, então produz.

Sentimentos não são rápidos, se compararmos a forma com a qual nos comunicamos na atualidade. Relacionamentos não são feijões de algodão. Precisamos retornar a pré escola, plantar o feijão, ver quanto tempo demora a virar um pé de feijão adulto, quanto tempo demora até dar o feijão. E experimentar outros tipos de sementes e plantas. E transformar as conclusões desses novos estudos para compreender como podemos realizar o contato social, respeitar os espaços e que o amor não pode ser arrancado de ninguém ou julgado como inexistente. A culpa não é da semente.