sábado, 19 de maio de 2018

Quando o negro entra

Quando o negro entra no cinema em um filme da Marvel, muitas pessoas estranham. Super-herois todos negros, a cultura africana sendo ressaltada? Ouvi de algumas pessoas que eles estavam se achando. Que não precisaria de nada disso.

Quando o negro entra na capela de Windsor para fazer um sermão, entra para tocar com seu violoncelo algumas obras clássicas, e cantar Stand by me em coral no casamento real ocorrido na Inglaterra, nem todos se permitiram a virar a cabeça para ouvir uma interpretação belíssima de uma canção de John Lennon. Antes a pose da pompa que a circunstância proporcionava, não é mesmo? E pra que pensar na pompa quando o Príncipe Charles lia qualquer coisa em silêncio durante a canção?

Quando o negro entra
no elevador, tenha certeza que alguma senhorinha em algum lugar deste redondo mundo ainda apertará contra o seu peito a bolsa cheia de riquezas. A que se remeteria o pensamento desta senhora, quando o jovem negro que ali estava, seguia para seu trabalho?

Quando o negro entra na tela de um cinema, reacende-se ao longo de toda sociedade a possibilidade de verbalizar todos os pensamentos reprimidos a respeito da diferença: isso se chama preconceito. É o branco que sai de cena, é o negro que ganha destaque. O branco é a criança que gosta de ser constantemente mimada e permanece regredida. Quando o branco sai de cena, ele faz birra, nomeia de macaco, nomeia pejorativamente. 

Quando o negro entra em uma capela inglesa, diante de um público seleto, percebe que entre eles há a história de perseguições e comandos. Que ali, aqueles brancos todos, souberam o que era segregar na África, sabem o que foi e o que fizeram no Zimbábue, na Nigéria. souberam que os negros que fugiam das perseguições da década de 60 do século XX dos Estados Unidos para a Inglaterra devido a série de perseguições que ocorriam pela luta dos direitos iguais, eram tratados com segregação e ataques em terras da rainha fofa e  idosa - a mesma que segurou em seu reino o cetro do Apartheid na África do Sul.

Quando o negro percebe que há alguém que o teme, observa a história viva da segregação promovida pela sociedade brasileira ao longo dos tempos. Que se julga libertadora de escravos mas apenas criou um documento e não promoveu nada para que os ex-escravos pudessem seguir em igualdade em sociedade.  Aliás, deu brecha para que eles fossem afastados e segregados: duvidemos por favor que a lei áurea tenha modificado o pensamento dos escravocratas, pois, com certeza a escravidão ficou viva inconscientemente. E conscientemente, pois basta observarmos um pouco na mídia que o facebook virou o lixão pra recolher as asneiras de um uma parcela da população que deixou seu silêncio para ganhar notoriedade em posts e comentários preconceituosos.

Quando o negro entrou no cinema como heroi, promoveu uma bilheteria maior que a do premiado Titanic - promoveu a força do povo negro que se sentou na plateia onde quer que esse filme tenha passado. Quando o negro entrou na capela de Windsor, rompeu com tradições e incomodou a branca sociedade real, ainda preconceituosa: quando os negros participaram tanto em um evento real em toda a história inglesa? Lá estivem eles, representando lutas e resistências. Quando o negro entrou no elevador, entrou para trabalhar, para seguir em frente, para tentar passar mais um dia como qualquer outra pessoa, rompendo as barreiras históricas que muito brasileiro possui mas se nega a aceitar.


A humanidade ainda não entendeu o que é ser humano. Não entendeu que toda a História envolve repressores e reprimidos. E não consegue ainda se colocar na posição de repressor, não quer admitir. Mas coloca com maestria qualquer negro na posição de reprimido.

Quando o negro aparece numa tela de cinema, quando o negro entra na capela de Windsor, quando o negro entra no elevador, mostra a força que historicamente, brancos insistiam em reprimir. E as telas de cinemas, capelas inglesas e elevadores são a prova concreta de que os brancos, felizmente, falharam.