sexta-feira, 28 de julho de 2017

Sarahah´s: ontem e hoje

Em tempos não tão remotos, nas escolas era muito comum que no Ensino Fundamental II e no Ensino Médio os adolescentes criassem um caderno, devidamente preparado para que cada uma das suas páginas houvesse uma pergunta. Numeradas, cada pessoa que recebia o caderno responderia as perguntas conforme a ordem numérica em que foi deixado para ele. Seria necessário que o sujeito colocasse o seu nome no seu respectivo número para que as perguntas fossem identificadas em cada uma das perguntas ao longo das páginas. Chamava-se caderno de enquete.

Era um sistema eficiente de recolhimento de informações, tendo em vista que o questionário era longo e que as questões poderiam ter conteúdos íntimos. E o sujeito poderia responder e fingir seu nome: Ele teria que ter tempo paa responder cada uma das respostas, então ele poderia levar o caderno para fora da escola. E na mão de quem poderia cair? Não se sabe. 

Enfim, os adolescentes acabavam matando suas curiosidades intensas neste caderno.

Não é a adolescência a fase de grandes descobertas e questionamentos? Por que não propor que você conheça o outro e também possa ter um veículo pelo qual você também possa se conhecer por meio do outro?

A atualidade não mudou muito o esquema. É muito comum vermos questionamentos no facebook em que o sujeito pede para que seja comentado um "pontinho" (.) e muitas perguntas poderão ser respondidas de forma pública ou privada. Inclusive o teor das perguntas não mudaram desde o caderno de enquete: "o que você gosta ou não gosta em mim", "qual é o seu sonho", e assim por diante.

E essa mesma atualidade acabou gerando dois aplicativos sem qualquer tipo de questionamentos propostos. Há alguns anos atrás foi lançado o "Secret", onde as pessoas poderiam realizar qualquer tipo de comentário de forma anônima para as pessoas. Comentaria-se a respeito de alguém sem que fosse revelado. Deu dor de cabeça pois os comentários de conteúdo de bullying foi rapidamente disseminado. E temos neste ano, recentemente lançado o "sarahah", cujo propósito é o mesmo: ler comentários de anônimos a respeito de si mesmo. Público alvo: adolescente.

Resumindo: é o adolescente quem procura conhecer-se nesse mundo. Ora, é esta fase intermediária entre a infância e a fase adulta que se (acreditamos) constrói-se a autonomia. Assim, podemos perceber que desde tempos anteriores, conhecer-se e conhecer o outro é uma dádiva da adolescência:  desta forma consegue conceber a sua identidade no espaço onde ele vive. Sarahah e caderno de enquete então são formas pelas quais procura-se um lugar na sua identidade, a partir do olhar do outro.

É a juventude que procura delinear nas mais diversas formas sociais a finalização do seu próprio eu. Pensemos: os adolescentes vivem ( ou procuram) viver em grupos, onde os diálogos são ( assim espera-se) enriquecedores para uma compreensão sobre que fase é essa em que todos vivem. Há que se resolver conflitos próprios. Há que se ajudar o outro em seus conflitos. Este é só mais um meio pelo qual os adolescentes procuram estruturar-se em seu espaço. Saber secretamente a respeito de si. Poder falar a respeito do outro. 

Procura-se constantemente a realidade própria. Mas como não é de forma organizada, pode vir repleta de preconceitos e ataques. E o que era para ser um conhecimento a ser construído, passa a ser um veículo de destruição (lembrando que o caderno de enquete também era uma forma de ataque). Nada mais do que fundamental do que a presença dos pais em diálogos constantes para que cada um desses assuntos sejam debatidos em família e que prevenções possam ser realizadas nesse outro grupo, onde o adolescente também se questiona e também procura o lugar do seu eu. E onde também se constroem os limites.

quarta-feira, 5 de julho de 2017

Sem sorriso

Passamos por horas correndo o dedo por fotos em sites de redes sociais. Não podemos mentir, não são minutos. Tanto sorriso, tantas festas, a felicidade ultrapassa seus limites.

Até que eu abrisse uma das redes sociais e uma das pessoas ali expostas não postasse um sorriso sequer. Sem sorriso. Não estava séria, só. Estava brava, óculos escuros. Nada além de rugas laterais. Nada além de uma cara cotidiana para uma segunda feira matinal. 

Uma cara brava. Me senti no mínimo fora daquele espaço, não acreditei no que via. Um rosto bravo num mundo eletrônico de simpatia. Me senti impactado: algo estava errado. Por que não sorrir?

Há tempos uma foto não me chamava tanta a atenção. Quão xucro achei aquele momento dócil? Um corte naquilo que era comum: alguém não sorriu por um momento. Não haviam espaços demosntrados na foto de que outro sentimento poderia ser transmitido: um belo jardim? A big party? Família Reunida? Nope. Rua e uma cara de bravo.

Senti vontade de aplaudir aquela rigidez em foto. Um espaço democrático onde não sorrir é mortal. É ferir querer demonstrar feridas. Me feriu, pois foi basicamente realidade.

Aquela boca naquele dia resolveu contar muitas verdades sem que seu dono puxasse seus músculos da boca. Não recebeu muitas curtidas, sequer visitas. 

A verdade quando exposta, dói. Promove um estranhamento quase que coletivo, em que vivemos por querer mostrar ao mundo que somos invejáveis. Aliás, por que não pensar que o sujeito das redes sociais provoca a inveja por ele não querer ser o alvo da mesma? Esse pensamento não é original, há muitos estudiosos pensando nisso.

Aquele sorriso demonstrou que não temos nas redes sociais um espaço democrático. Se assim fosse, por que estranhei o não sorrir? Sei que estou envolto neste meio e sei que muitas pessoas estranham o que é diferente neste mesmo espaço eletrônico. Que democracia exige que se sorria a todo tempo? Aliás, por que cobramos tanto dos outros? O que não queremos enxergar no outro que seja na verdade nosso?

De tantas fotos, de tantas demonstrações, aquela imagem ganhou seu devido espaço. Pode ser uma imagem estranha em meio ao mundo positivo, mas pode ao menos lembrar-nos de que os anzóis que levantam nossos cantos da boca, são passíveis a ruptura. Sem belos jardins. Sem festas. Numa segunda-feira qualquer e sem graça, digno de qualquer sujeito vivo.