segunda-feira, 27 de junho de 2011

Diferença igualitária

Uma das discussões que em qualquer aula de filosofia, sociologia ( ou qualquer que seja) dá pano pra manga é a discussão sobre a liberdade.




Depois de assistir tal propaganda do Banco do Brasil, o que eu mais me questionei é: se estão todos falando a mesma coisa, podemos falar realmente que se trata de liberdade?


Partamos do seguinte problema: todos vivemos em sociedade ( ou procuramos viver). todos possuímos individualidades ( ou procuramos ter). Mas, o que é tão grandioso neste caso é: em algum ponto somos iguais?


De alguma maneira, isto não é mistério pra ciência: trata-se do velho inconsciente coletivo, tão explorado por Carl Jung. De uma certa maneira, há movimentos iguais e compatíveis entre todas as pessoas. Mas isso não significa que as pessoas possuem mesmos comportamentos e personalidades - todos são diferentes, em algum aspecto, qualquer ele que seja.


Mas a sociedade gosta de apontar o contrário. Todos somos iguais. No pensamento, no jeito de agir, nos gostos e preferências. Assim fica mais fácil você perder a sua personalidade. E vender qualquer coisa: se todos são iguais, todos possuem os mesmos gostos e preferências.


E ai, será que entregaríamos nossa personalidade ao desejo do próximo, de explorar algo tão desejoso?


Parece tão legal abrir uma conta universitária, parece até que as portas se abrirão sozinhas. Que nada de errado poderá ocorrer. A impressão que dá é que não há cobrança de taxas. Que os cheques jamais voltarão. E que entrar no negativo não é nenhum problema. O importante é ser livre.


O Banco do Brasil foi esperto - tentou tornar sua marca como símbolo da busca de qualquer jovem. Buscando a igualdade generalizada por meio da liberdade.


Acertaram no alvo - a situação de que muitos pensam em fazer o que todos possivelmente querem fazer, sem pensar profundamente na real necessidade. O que importa (para a ideia do comercial) é o que todos estão fazendo. O indivíduo não precisa da sua individualidade. E o que complementa tal linha de raciocínio é a velha máxima: "se 'fulano' pular no poço, você também pularia?' "


O bom é que comerciais como esse fazem com que tal situação ainda possa ser discutida. Bom para os professores das humanas.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Inhaton

Todos temos uma hora que não queremos ver uma alma por perto. Todos temos um momento de raiva. Natural.


Ao ler um dos capítulos do livro "Maíra" de Darcy Ribeiro, um capítulo a parte me chamou muita a atenção: Egosum. É o momento do livro em Darcy Ribeiro sai da figura de Isaías e veste-se de si mesmo. E cita suas experiências com os Mairuns.


Mais interessante é que como o próprio capítulo descreve, todos os homens tem um dia de Inhaton, que tecnicamente significaria "O dia de raiva". O membro da tribo tem direito a realizar qualquer coisa a partir de sua força e raiva, e quem estiver na frente, que saia correndo. Neste dia, que o indivíduo escolhe, pode destruir ocas, matar crianças e pessoas. È o momento da raiva plena, da destruição, do descarregamento pleno de sentimentos negativos. Depois de findado o inhaton, todos retornam e consertam todos os estragos.


É um dia na vida do indivíduo. Um único dia. Não significa que o indígena não tenha raiva nos outros dias, mas, o dia do descarregamento de todas as energias canalizadas fica a escolha do mesmo.


Todos os indivíduos da tribo possuem consciência de que aquilo pode acontecer e de que é normal. Talvez uma influência espiritual? Não sei, podem até considerar, mas ocorre.


Quem dera nós ( que dizemos ser civilizados) compreendêssemos que todo o ser humano possui dentro de si a raiva como um sentimento natural? Não estou querendo facilitar a vida de qualquer assassino, por um outro lado, deixar claro que todos possuímos raivas. E que em algum momento deixaremos extravasar tal sentimento, querendo ou não.


Para nós, não tem dia nem hora marcada: acontece. Acontece com o melhor amigo, com os parentes e até com pessoas que não conhecemos. A pessoa vira um saco de lixo e acaba recebendo um monte de coisa que não precisa. E a outra, em vários casos, também deseja descarregar.


Vira uma salada de descarrego generalizado, e alguns acham que todos merecem escutar o vomitório de sentimentos.


Talvez todos tenhamos um inhaton interno, pois ninguém é perfeito emocionalmente falando. Porém, diferente da aldeia, ninguém é obrigado a levar pancada por um problema individual. Ninguém é obrigado a ser saco de lixo dos problemas alheios. Seu inhaton é seu, e não dos outros. Ninguém tem culpa de seus problemas.


 A sociedade está precisando cada vez mais dos profissionais da saúde mental. 

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Justificando emoções

São raras as oportunidades pelas quais ocupo-me da televisão no sábado. E uma das oportunidades que tive foi quanto o programa Caldeirão do Hulk apresentou uma de suas atrações: Lar doce Lar.


O ponto específico deste dia foi que Luciano Hulk resolveu auxiliar um indivíduo de 76 anos a recuperar sua casa na cidade de Cascavel, no Paraná. Sr. Ananias com seus 6 filhos, que foram abandonados pela mãe ainda quando pequenos passava por um problema sério: tinha perdido a guarda de seus filhos pela questão da precariedade de sua moradia. O juizado da infância e juventude devolveria a guarda se  o Sr. Ananias desse uma moradia digna aos seus filhos. Do contrário, as crianças permaneceriam em um abrigo infantil.


Sr. Ananias passou boa parte de sua vida recolhendo pelas ruas de Cascavel papeis e o que fosse necessário para poder manter a renda da casa. Mesmo assim, como tentativa de construir uma casa digna, ele viva recolhendo resto de construções para aos poucos, construir novos cômodos para seus filhos.


A Vara da Infância julgava que mesmo com esse árduo trabalho de Sr. Ananias, ainda não havia possibilidades de uma boa moradia para as crianças.


A luta da vida de Sr. Ananias era de trazer de volta para o seu lado, depois de toda uma vida, seus filhos. Mas mesmo assim, não conseguia.


Tendo recebido o caso do Sr. Ananias e averiguado a gravidade da situação da casa, o programa escolhera tal caso para remodelar por completo a residência.


A reconstrução foi extremamente diferenciada, visto que de um "barraco" passara para uma residência com móveis e estrutura dignas.


E não seria diferente quando o Sr. Ananias recebera a casa: uma surpresa expressa mediante uma timidez visível e de olhares de agradecimento que valeram naquele momento muito mais do que qualquer palavra. E tendo passado por toda a tarefa de averiguar a nova casa, a próxima tarefa seria a de receber de volta a guarda das crianças, visto que a casa era significativamente digna de moradia e cuidado.


A surpresa neste momento foi a de Luciano Hulk - ao receber o Juiz da Infância e Juventude, Sr. Ananias emocionou-se.



Luciano Hulk reparou imediatamente na emoção de Sr. Ananias ao receber o Juiz, verbalizando a situação de que "Sr. Ananias se emocionou mais com o juiz do que com o trabalho de modificação da residência." Ficou estranho pois a modificação da casa foi espetacular. Mas por que a emoção só realmente apareceu com o juiz?


Simples: imagine que você lutou a vida inteira por uma causa e alguém o ajuda. Óbvio que o débito de gratidão é a primeira coisa esperada. Mesmo assim, o que ocorre neste caso é que Luciano Hulk foi a figura participante no auxílio de algo que ele fez a vida inteira: tentar dar uma moradia digna aos filhos.


O juiz é a representação da consequência imediata, do ponto final de toda a luta, de todo o trabalho de uma vida inteira. De anos catando papel na rua, de anos recolhendo restos de construções. A produção do programa fez o que o Sr. Ananias tentou fazer por toda a sua vida. O juiz seria a representação final.


O Sr. Ananias queria uma casa digna. Queria um espaço de convivência mínimo para os seus filhos. Não queria a casa mais bela da cidade. Queria seus filhos.


Em cada pedacinho de construção que seu Ananias recolhia, o sonho de seus filhos estarem juntos de sua convivência era reanimada. O "Lar doce Lar" foi o pedaço que faltava. O objetivo assim, da luta árdua de um septuagenário, de trabalhar dia após dia cansavelmente pelos seus filhos, terminara ali.


Neste caso, o espanto de Hulk é que foi estranho.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Sustentando vícios

Nunca uma palavra me incomodou tanto quanto a palavra  sustentabilidade. Qualquer empresa que quer se dar de boazinha como futuro mete no slogan "Ser Sustentável" ou "Sustentabilidade". Daí todos veem o quanto isso é significativo para os problemas da mamãe natureza e ficam contentes e satisfeitos.


Remeto-me então ao meu pré-III. Voltei no tempo. Ô se voltei. Lembro quando uma professora X pedia para que fizéssemos um desenho sobre "Viva a natureza!" E todos íamos realizar essa façanha inesperada. Realizávamos os desenhos e depois explicávamos o por quê de ter que realizar este ou aquele desenho.


Passou-se o tempo, e no Ensino Fundamental, começou a preocupação com a reciclagem. Lembro-me também de um grupo dos "grandões" (pessoal da antiga 8ª série, atual 9º ano, e eu na época na 1ª série) que, por meio de um trabalho de ciências, passavam de sala em sala exigindo que nós alunos aprendêssemos com a reciclagem e soubéssemos separar o lixo.


Passa mais um tempo, e a bola da vez foi para o aquecimento global. Pesquisas e mais pesquisas saíam a respeito da diminuição das calotas polares e até mesmo o Candidato à presidência dos Estados Unidos, Al Gore, resolveu fazer um documentário atraindo a atenção do mundo para a emissão de gases na atmosfera, sobre o aquecimento global. Não se falava de outra coisa no sentido da natureza a não ser isto.


E hoje? Agora, na minha posição de professor, vejo dia após dia a palavra sustentabilidade. Chega a encher a paciência, pois tudo é sustentável. A partir da fala "natureba" de que o mundo pode ser sustentável com tudo aquilo que ele já produziu por meio da reutilização ou extrair da natureza sem interferir em seu ciclo o que for necessário. A palavra de ordem serve para qualquer coisa: as empresas hoje deturpam tal ideia, e para atrair o público, coloca ao longo de qualquer frase o palavra "sustentável". Não precisa mais nada. O povo já vê com outros olhos.


Salvando a natureza, reciclando, preocupando-se com o aquecimento global e tentando ser sustentável é tudo a mesma coisa, muda-se apenas a roupagem.Procuramos vários sinônimos em coisas já existentes. Fica mais bonitinho, mas o conteúdo é o mesmo. 


Devemos ampliar nossas preocupações com tudo aquilo que forma o planeta Terra, respeitar seus limites. Não é sair espalhando a sustentabilidade em cartazes. É realizando a tarefa. Salvar a natureza deve sair do papel assim como qualquer outro tipo de atitude positiva. É a velha situação de tirarmos da teoria, e colocarmos na prática.


Colocar em prática necessita mobilização. Necessita educação. Necessita movimento. Necessita poder público e fiscalização. Necessita antes de mais nada ação.


Depois disso tudo, a gente entende por que é muito mais fácil colocar em cartazes sobre a sustentabilidade. Mera covardia.