sábado, 14 de novembro de 2015

Mariana ou Paris?

Hoje um dos noticiários esportivos anunciaram: "teremos 1 minuto de silêncio antes da corrida da fórmula 1 em homenagem aos mortos no atentado em Paris". Merecidamente necessário, aproximadamente 150 mortos foram registrados em uma ação assinada pelo Estado Islâmico.

Porém, refleti de imediato, onde está a preocupação pelo povo da região de Mariana, em Minas Gerais? Em fotos de satélites, ao procurar pelas regiões afetadas pelo estouro da barragem da lavagem do minério de ferro, a região some em lama. Pessoas morreram, seus lares desapareceram. Rios foram totalmente contaminados, outros estados afetados. Pessoas passam sede.


Hoje, percebo um bombardeio de informações sobre Paris. Ataques terroristas nos assustam. Mariana sumiu da mídia. Por quê?

Sei que estamos numa nação colonizada pela Europa, e que o espírito eurocentrista faz de tudo para pensar que o que está na Europa é melhor. Mas quando o problema ocorre dentro da nossa casa e a gente dispensa-o para ver outro problema, algo há de errado.

Qual é mais importante? Podemos pensar inicialmente na dependência midiática que a população sofre - "se não falou naquele programa, não é verdade." Porém iria mais longe, indo mais perto.

Mais perto da nossa realidade: da nossa preguiça de politizarmo-nos sobre nossa cidade, nosso estado. Em observar que há estados no nosso próprio país cuja segurança pública tem que ser específica para a escola. Algo está acontecendo em nossa educação, debaixo de nosso teto educacional e achamos que está tudo bem. De achar que o problema está no meu vizinho e não em mim. Em achar que o verde-amarelo é cor de futebol e eleição e que ninguém colocará sua foto no facebook com as cores verde-amarela pela atrocidade ocorrida em Minas Gerais. Mas já percebi a tricolor francesa nos rostos brasileiros. Um crime hediondo provocado por uma empresa particular é visto pela mídia como banal.

Respondo agora a pergunta do meu título: os dois são importantes. Observar Paris reascende preconceitos religiosos e pensamentos generalistas. O Estado Islâmico não representa o islã como um todo. Isso nos faz pensar sobre conceitos riquíssimos desta religião e ver que há algo acontecendo em âmbito mundial.

Agora nossa casa também precisa ser cuidada: Infectamos rios e mares, desabrigamos e assassinamos centenas de pessoas com os restos de minério da barragem. Precisamos olhar para nosso país sim. É a nossa vivência. Espero que nos próximos noticiários eu possa ouvir que a Fórmula 1 também fará um minuto de silêncio pelos mortos de Bento Rodrigues-MG. Será que precisarei sentar-me para esperar isso?

domingo, 11 de outubro de 2015

No tempo da carroça

No tempo da carroça, era ela quem carregava a produção do sítio. Milho, bicho, gente. Ia de um lado pra outro empurrada por um cavalo ou égua, na velocidade que aturava o animal. Seguia morro de terra acima, trilha empoeirada, cerca que acompanhava, seguia em frente.
No tempo da carroça, quando era necessário ir à cidade, não se corria. Não era possível. Ia conduzida por uma pessoa e pelo esforço do quadrúpede. Assim o que sobrava ao sujeito nada mais era do que observar o tempo, se pudesse, cobriria-se do sol e acompanhava-se uma longa prosa, que é pra botar o papo em dia. Era um tempo em que existia uma coisa chamada horizonte.
No tempo da carroça existia o horizonte: poderia contemplar-se o horizonte dos cafezais, o horizonte da terra longe, o horizonte dos telhados de barro. Via-se chegando aos poucos, vagarosamente. 
No tempo da carroça quando chovia tinha que correr pra baixo da árvore ou pedir ajuda pra um sitiante mais próximo. Quando parava, continuava-se pois tinha-se que chegar. Até o fim do dia.
No tempo da carroça o tempo era o sol. A luz que batia em cada uma das preguiçosas árvores, acabava também sendo a orientação pra que se pudesse seguir em frente. E quando chegasse, procurava-se água pro animal, um pedacinho de grama pra ruminar, descarregar e descansar. Um bom copo d'água fazia com que os ânimos se exaltassem. Uma sombra era o manjar da pele. Uma cadeira e uma conversa acertava-se tudo. Descansavam todos. 
No tempo da carroça o barulho dos cascos anunciava em distância que ao longe chegava um cavalo. Se houvesse rangidos, sabia-se também que ele vinha acompanhado da carroça. Quem poderia ser? Nesse tempo saía-se a ver quem lá chegava. Se não era ninguém do convívio, voltava-se aos afazeres normais.
No tempo da carroça poucas cousas eram vida: a água do pote de barro, a cadeira preguiçosa, a sombra da mangueira, o vento a indicar a chuva. Éramos felizes com tão pouco e tão muito. No tempo da carroça o tempo era outro. Era ouro. Era vivo e não concreto. Era vara de pescar e não geladeira. Era entender a mata e viver a mata, não o matar, o afogar da terra em longas estradas.
No tempo da carroça o mundo era lento. Mas era mundo, simples, mas mundo. Era vivo, era verde, cheirava a lenha do fogão. Tirava-se o suor da testa ao arrancar o chapéu, um sorriso era a satisfação pessoal. A felicidade era fruto da sinceridade. A carranca dos rostos também. Ninguém era obrigado a ser feliz eternamente: o cavalo se cansava tanto quanto o seu dono emburrava pelo calor. E isso era permitido.
No tempo da carroça permitia-se viver, reclamava-se pouco. No tempo da carroça uma carta demorava a chegar, sendo suficiente para chorar-se ou alegrar-se de monte. Esperava-se, a ansiedade não era patológica, não era destrutiva: era gostosa, era misteriosa. 
No tempo da carroça o vizinho era gente. A gente era gente, não era aparelho eletrônico. Seguia-se simples, humano, em frente. Até o cavalo cansar-se e descansar no paiol, até o dono da carroça relaxar, dando um humano boa noite a família, cujo único barulho era dos noturnos animais vivos e existentes, e não de mensagens recém chegadas, recebidas, lidas e confirmadas, como se nada fossem.

segunda-feira, 31 de agosto de 2015

A mais bela das cenas

É da Disney? Algum filme melodramático? Não, muito pelo contrário, é da vida real. Do cotidiano.

Ao fim de um determinado evento, duas garotas resolveram brincar no palco. Um espaço imenso pronto para os espetáculos. 

Poucos eram aqueles que permaneceram no lugar, apenas finalizações de bastidores. Uma olhou pra outra e na mais pura vontade do brincar começaram a pular. Pulavam a vontade, corriam, dançavam, pulavam, caíam.

As duas conversavam entre si: serelepes arquitetavam jogos. E corriam e pulavam.

Esta é a mais bela das cenas.

É a mais bela das cenas pois se tratava de uma criança com a trissomia do cromossomo 23 e a outra criança, não tinha um cromossomo a mais. Não se tratava portanto de um espetáculo, eram duas crianças. E para mim, as luzes do palco se acenderam para a mais real das peças, o mais belo dos espetáculos.

Duas crianças que pouco se importavam pela fisionomia: se importavam com o quanto cada uma delas poderia melhor ocupar o espaço do palco. Não se importavam com estereótipos, a amizade que se formava ali era o mais forte das relações humanas.

Estamos falando da relação de duas crianças. Uma com a síndrome de down e a outra não.

Estamos falando da pureza. Do ser criança. Do vivenciar e partilhar coisas bem e mal resolvidas em cada um dos inconscientes sem que houvesse qualquer diferenciação, como qualquer criança faz ao se dispor a brincar com qualquer outra criança. 

Ali não havia qualquer diferenciação: era realmente a mais bela das cenas.

Quem dera a humanidade aprendesse a ser tão criança assim e romper com determinados preconceitos vivos em nossa sociedade: tratar uma pessoa com síndrome de down por modos infantilizados não é legal, mas ouvir, quem quer que seja, onde quer que seja independente de qual seja a situação como alguém a ser extremamente respeitado como qualquer outra pessoa, tem sido difícil do lado de fora de nossas portas.

Mas voltemos, por favor, a mais bela das cenas: nessas horas podemos regredir e deixar qualquer tipo de preconceito de lado. Vamos regredir e vamos brincar de seres humanos, que compreendem diferenças e respeitam.

No passado, tivemos tiranos que souberam conduzir a humanidade numa grande e perversa regressão: "eu, pai-sádico castigador, te puno pelo nada, crio a mais 'pura das sociedades' e você tem que abaixar a orelha pras minhas ordens e, se porventura eu não for obedecido, a punição é imediata. Se aparentar algo fora do normal, elimino-o física e verbalmente". Dessa regressão não precisamos.

Precisamos repensar nossas regressões e observar o que há de diferente. Regredir para a nossa porção infantil e ver que não há qualquer necessidade de castigar, punir ou gritar com o outro, quem quer que seja. Comunicar-se educadamente com qualquer outra pessoa, independente da quantidade de cromossomos ou fenótipos apresentados é o mínimo que temos a obrigação de fazer. E de pensar. E de repensar as antigas representações ensinadas por velhos costumes dos "adjetivos negativos" e ver o quão inútil tudo aquilo foi.

A mais bela das cenas não precisa de fotos: ela pode ser imaginada perfeitamente, sabendo que ela ocorreu de fato, e pode ocorrer independente da idade das pessoas, independente do momento.

Que tal se essas duas meninas convidassem a cada um de nós pra brincar ali naquele palco de regredir, respeitar e compartilhar a experiência de ser humano? Está feito o convite.

quinta-feira, 30 de julho de 2015

Hora de rir

O que seria de muitos programas se por um acaso não houvesse o som da risada no fundo? Isso é muito comum nas séries de comédias dos Estados Unidos. Aliás, são muito comuns que ouçamos os sentimentos expressos pela plateia que assiste as gravações. Aliás, isso seria comum se fosse apenas uma peça de teatro, se ea fosse realmente engraçada.

Porém os programas de televisão que visam a comédia tem se valido desse tipo de recurso: fazer com que seja engraçado alguma coisa qualquer. Um sujeito pensa direitinho onde era pra ser engraçado, insere o som da risada e lá está uma comédia.

Eis o problema: se você está assistindo a uma comédia, logo espera-se que haja graça. Ouve-se, pensa-se e logo capta-se o risível. Porém, isso já está pronto, com um apertar de botões.

A comédia televisionada tem tirado e eliminado qualquer tipo de possibilidade de fazer com que haja uma compreensão. Esta compreensão faz com que haja uma interpretação. Sim, algo engraçado faz com que o indivíduo pense. Que reflita sobre o dito e faça com que busque a graça.

Se já vem pronta a risada, tecnicamente já viria pronto o pensamento e a necessidade de rir. Logo, aquilo torna-se sem graça, a risada torna-se automática tal qual exigem os produtores de um determinado programa.

Pensar em algo engraçado é complexo: faz com que haja uma reflexão sobre o cotidiano, sobre a situação política, faz com que o sujeito pense sobre seus próprios preconceitos ou sobre os preconceitos alheios (O que é alheio pode ser a projeção do próprio indivíduo, pensariam em uma análise...) Faria com que houvesse uma reflexão sobre a trama apresentada, sobre todo assunto em si. Fazer rir inclusive seria um ato de não rir, de achar não engraçado, de poder investigar internamente o que se passa e não considerar engraçado.

A comédia, antes de qualquer coisa faz pensar. Faz refletir. E os risos ao fundo tiram essa possibilidade. tornam a plateia que se manifestam quando o letreiro pisca, domando-os. Quem assiste é domado a rir. Quem assiste não tem a obrigação de refletir. A comédia torna-se então um ato de duvidar da capacidade do homem de construir linhas de raciocínio sobre determinadas situações, e para este caso rir quando o outro quiser.

Lembremos sempre que toda e qualquer emoção deve ser própria do indivíduo: rir quando achar graça, chorar quando achar triste. A emoção quando dominada passa a ser um meio pelo qual outros possam necessariamente dominar, manipular, tornar o chato e o patético forçosamente engraçado.

A risadinha ao fundo de qualquer que seja a comédia que se preste a utilizar deste recurso nada mais é a prova de que o risível precisa ser repensado. Talvez se tirassem a risadinha do fundo e os aplausos da plateia não fossem acesos por um botão muitos programas seriam símbolos do tédio. E se assim forem, não vendem nada. 

quinta-feira, 23 de julho de 2015

Folhas

Observar uma árvore é fácil: vemos folhas em sua copa facilmente: Elas acabam formando uma abóbada que a torna visível. Mas nem tudo está na abóbada.

Se observarmos a árvore mais de perto, as folhas não estão apenas no lado de fora: estão também nos galhos interiores. Pode até ser que em quantidades menores do que a parte superior, mas tem.

Parecem inúteis. Mas são a segurança da árvore. Se na superfície da copa acontecer alguma coisa, ainda terão folhas internas.

Elas geralmente recebem uma quantidade menor de folhas, mas nem por isso são menores. São do mesmo tamanho que todas as outras. São verdes e suficientemente eficientes. E lá estão, firmes, fortes e escondidas.

Poderia apenas haver folhas do lado externo. Todavia elas estão no lado de dentro também. O lado de dentro dela também mantem a árvore viva.

A questão não é estética: é necessidade. As folhas de dentro poderiam fazer uma suposta revolução e fazer com que as externas saíssem para que elas dessem espaço para suas existências. Mas não precisam disso.

A natureza consegue atingir um equilíbrio: o que é de dentro é tão importante quanto o que é de fora. Garantem a energia da árvore. Nem por isso são menos importantes.

Desde pequenos aprendemos a desenhar uma árvore sempre pensando no lado de fora da copa. Mas não podemos nos esquecer que dentro há uma complexa e viva fonte de energia. O lado interno é quem sustenta o lado externo. Um não pode existir sem o outro. Um ajuda o outro. Um não se sobrepõe ao outro. O lado de fora é só parte do todo.

terça-feira, 14 de julho de 2015

Arroz e amendoim

Quanto não dava trabalho em tempos anteriores, em que o arroz não vinha pré-selecionado ou limpo? Ainda temos no mercado determinadas marcas de arroz que necessitam de uma escolha, Mas hoje em dia, a maior parte das marcas não precisa disso. Mas, o costume perdura: há sempre que procurar por algo.

A imagem mais tradicional da escolha do arroz é aquela em que todo os seus grãos estão em uma peneira, e em um local claro, vão sendo retirados os grãos ruins ou pedras ou qualquer outro objeto indesejado. É comum também que se empurre o arroz com a parte de fora dos dedos, empurrando o arroz da parte de cima para um outro lado, dando a possibilidade de se ver o arroz mais abaixo e retirar as impurezas.

O costume perdura: há que se averiguar se não há sujeiras, mesmo onde não é necessário. Interessante foi uma senhorinha que, no deleite de um churrasco, antes de sair a carne, resolveu petiscar alguns amendoins.

Eram do tipo "japonês": casquinha característica, salgada e bem apreciada como uma entrada. O potinho estava naquelas mãos. Não foi necessário nem dois segundos, e seus dedos entraram em ação.

Pegou o amendoim desejado? Não, empurrando com a unha, com a parte de trás dos dedos, foi empurrando o amendoim. Tal qual ela faria se escolhesse o arroz. Empurrou o amendoim não desejado e pegou o que lhe interessava. Lá se satisfazia a nossa personagem. Lá ela escolhia o amendoim desejado, entre todos os outros iguais.

Para que escolher tanto o amendoim se todos eram aparentemente iguais? Sabemos que temos amendoins maiores, outros menores, mas são amendoins. Porém em sua ação, precisou escolher. Tirar o melhor entre os outros. Procurar e afastar o errado.

Passamos tantos momentos de nossas vidas a procurar erros e saná-los. Retirar impurezas e usar o que há de bom. Nos preocupamos a todo momento. Achamos pedrinhas, pequenos insetos e problemas a todo momento. Talvez precisemos repensar nosso cotidiano e perceber que podemos estar bem sem que procuremos erros. Simplesmente confiar naquilo que está a nossa volta por termos certeza da qualidade que há ou que foi empenhado e simplesmente curtir. Descansar. Aliviar. 

Passamos muito tempo procurando por impurezas e pouco desfrutamos de nossas próprias purezas.

domingo, 26 de abril de 2015

Quaresmeira

Talvez uma calçada comum, mas naquele momento me parecia uma bela calçada. Bem feita, pedra após pedra, a frente de uma casa fora devidamente bem feita, bem enfeitada. E pra melhorar uma bela árvore. Flores roxas, folhas viçosas: uma quaresmeira de robusta copa.

Uma bela combinação talvez, calçada e árvore, flor e construção, o pisar e o observar para admirar. Uma casa não tão bonita, simples de se olhar. Mas capricharam no visual externo.

Capricharam tanto que uma beleza sobrepunha a outra. Quando a quaresmeira florescia, o roxo formava uma vela cobertura em toda a sua copa. Dado o devido tempo de polinização, cada uma das flores caía.



E caía na calçada. Bela calçada, bela árvore, porca dona. Deixava cada uma das flores ali, talvez por falta de tempo não limpava a passagem na frente de casa. E acumulava as flores. A tonalidade do roxo morto ao roxo vivo era até galhardo de se ver acumular na calçada. Mas o tempo dava um jeito de ativar sua  natureza: logo as belas flores começavam a fermentar e um  sutil porém malcheiroso gás desprendia do chão. Mas a quaresmeira permanecia ali. E embaixo das flores mortas, a calçada.

É um tanto quanto curioso como as belezas são sufocantes: como a vivacidade presente na beleza sufoca aquilo que está diante da gente. A calçada virava um fétido e roxo mar, escurecido e manchado. Sem lavagem, as pétalas deixavam o restante do líquido de sua vida manchadas no chão. Mas a calçada estava ali embaixo.

A quaresmeira permanecia viva e forte. A calçada ali permanecia, mas a árvore vencia, enquanto que a inanimada calçada escondia-se sem pedir. Porque não sobreviver duas belezas? Porque uma deveria sobrepor a outra?

O tempo passava, os ventos sopravam, as pétalas sem escolha e secas voavam para outro lugar. Mais uma vez a calçada estaria exposta. Mas sem ser limpa, as marcas permaneciam por falta de cuidado. E a calçada era a suja permanente, fadada aos pés, às pétalas, a esconder-se e disfarçar-se sem querer, numa beleza reprimida.


terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Abelhas

Várias espantam. Porém apenas uma basta para nos chamar a atenção.

Uma abelha é suficiente para que a gente fique atento se ela não avança. Independente de ser alérgico ou não, ninguém gosta de uma picada de abelhas. Exceto os sado-maso, mas isso não vem ao caso.

Mas o caso não é uma abelha má. Ela rondava e rondava a cabeça de um rapaz que tentava afastá-la, sem sucesso. Uma, duas vezes ela tentava avançar. Chegava perto do copo de refrigerante que por vezes foi impedida de se aproximar. Até que num descuido ela conseguiu chegar ao copo.

Não foi ao conteúdo do refrigerante, mas a uma gota da borda. Em questão de segundos, a gota sumiu, seu abdome inchou, e dificultosamente ela voou, como um caminhão em sua carga máxima. Desapareceu.

O rapaz sacou o desejo da abelha: não era atacar, queria o refrigerante. Nada mais, sem ataques, sem zumbidos infernais. Colocou um pouco do refrigerante por cima de uma outra superfície para que, ao invés de ir ao copo, que fosse para o outro lugar.

Dito e feito: lá foi a abelha pra outro lugar, encher o ventre, que logo virava um caminhão pipa e voava pesada e sem rumo. Por umas 4 vezes ela repetiu essa ação. Trouxe até uma companheira para acompanhá-la nos sabores de um novo mel sabor limão.

A tampa da caixa térmica deveria ser guardada. A festa acabou ali, o rapaz foi embora. Nada mais de refrigerante, nada mais de abelha. A abelha ficou procurando a tampa, em vão.

Poderia ter sido pior: a abelha poderia num surto psicótico  ter avançado e deixado um belo ferrão na pele do rapaz. Toda abelha tem seu lado inofensivo. Pode ou não atacar, se for necessário. Mas o refrigerante não poderia ficar ali para sempre, o rapaz deveria sair da beira-mar para sua casa. Tudo deve ser respeitado. A abelha talvez tenha compreendido isso. Teve que compreender: não havia mais ninguém ali, a não ser a mata, a areia e as ondas. Nada de refrigerante. O homem teve que compreender: nada de picadas, nada de ataques.

Talvez ela tenha achado um novo copo de refrigerante num canto qualquer. Talvez ela tenha se encontrado com um jornal enrolado e ido para o céu das abelhas. Uma bastou para compreender que tudo tem sua medida.