domingo, 12 de agosto de 2012

Mais espaçoso, mais distante




Aparentemente uma família normal. Crianças nos bancos traseiros, pais nos bancos da frente. Férias para a família toda.

Não para o pequeno desesperado no banco mais trazeiro que o trazeiro. Em desespero, chama pelo seu pai para que possa parar em um posto e aliviar sua bexiga. Quem disse que ele pode ser ouvido? A música é tão alta que quem está a frente não ouve o chamado. 

O divertimento entre as meninas é grande, o desespero do garoto também. A única forma que o garoto consegue atrair a atenção do pai, dentro do próprio carro, é telefonando do seu celular para o celular do pai, que é atendido imediatamente pelo painel computadorizado do automóvel.

Assim que o garoto consegue entregar suas súplicas, de imediato, as divertidíssimas meninas reagem de forma enojada, como se não urinassem ( ou fosse algo extremamente esquisito). O pai, ao fim do comercial, acha um posto e provavelmente ele conseguiu mijar.

Esta simbólica família, que pode parecer apenas uma situação de um comercial, pode ser mais real do que imaginamos. Pensemos:

O espaço do carro é realmente grande. Porém, não estamos falando de um ônibus e nem  de uma carreta. Logo, o espaço deveria ser suficientemente para que houvesse um mínimo de diálogo entre as pessoas. 

O som está alto. Mas e as meninas que estão a frente? Não escutam nada, ou fingem não escutar? 

Quem é aquela figura feminina ao lado do pai?

Vejo a exclusão aflorar nesse comercial. Apesar de um avançado carro, a família demonstra-se como desestruturada. Um pai e uma mãe ausente das situações, que só dão atenção quando há algo visualmente desesperador a sua frente. Quem cuida das crianças, neste caso, é a música ensurdecedora, que sonoramente faz problemas sumirem, e o celular, que é utilizado como meio de comunicação pai-filho.

As meninas que se divertem, (podem parecer as mais normais da situação), mas não escapam: elas deixam bem claro que o mundo dela é excludente, a diversão está entre elas e ninguém mais. O irmão é o estranho. Entre elas, o enojamento é a forma com a qual se exclui o indivíduo. Os enojados que fiquem ao fundo e fora do campo de visão. Aí, chamaríamos essa situação de bullying. Suavizado, mas bullying.

O que vemos é que o ser humano é capaz de se ter uma célula social desestruturada dentro de um pequeno espaço. O pai mal sabe os problemas dos filhos, e nem quer saber, como uma criança que ouve um problema e tampa os ouvidos como que não está escutando nada.

As crianças, de uma certa maneira, sentem a grandíssima falta dessas figuras, e tomam atitudes para chamar a atenção. Cantam tão alto quanto a música. Quando não são ouvidas, usam da tecnologia para que possam obter o espaço necessário. E demonstram repetir a ação dos pais: eles fingem que não há nada e quando alguém tenta quebrar esse pacto, este indivíduo torna-se o tabu da situação, vide o garoto.

No livro Totem e Tabu, de Sigmund Freud, há uma ideia muito forte acerca de que o ser humano cria tabus culturais, e quando este é quebrado, quem o quebra torna-se o tabu ( o vilão desestabilizador de um velho costume). Trocando em miúdos, esse comercial demonstra que a distância está se transformando em um tabu, que, quando quebrado, traz consequências imediatas de punição a quem o quebra. 

São crianças e adultos normais, em atitudes estranhas. Que espécie de tabu a nossa sociedade está criando, a ponto de aceitar que não haja a necessidade de aproximação entre pais e filhos? Será que manter filhos está realmente se transformando em algo costumeiro? Urinar não é mais normal? Dar ouvidos aos filhos mesmo que rapidamente é estranho e prejudicial, mesmo com a atenção central dirigida a estrada? Conseguimos conquistar mais espaços, mas a distância humana está ficando maior do que imaginamos. Precisamos quebrar esse tabu urgentemente.