quarta-feira, 10 de abril de 2019

Vela

Basta uma vela. Talvez duas, três, mas uma já basta. Uma vela simples, de pavio bom, nem muito grossa, nem muito fina.

Se fina for, acaba rápido e as lágrimas não terão tempo de secar. Se for muito grossa, pode cansar o peito de tantos pais nossos. São muitos pais pra um só corpo que não é mais nosso. Uma vela simples basta.

Coloque ao lado ou na mão do corpo. Acenda em silêncio, para que não haja alarde. Há de ser uma chama média. Feche as janelas para que o vento não apague. Assim a vela dura o tempo dela, assim a chama cresce conforme ela quiser.

Observe a chama. Com paciência veja o seu formato. Por ora parecerá robusta e plácida, querendo se apagar procurando mais cera pra viver. Depois ela crescerá, e ficará fina, feito uma lâmina. Se uma quisesse murchar, feito o peito que pranteia a dor, a outra deseja cortar ao rubor, com calor de sol ardente. Ela vai variar, crescer, queima ao toque.

Perceba que a cera toma rumo próprio, lágrima que derrete conforme o calor da chama. Forte feito qualquer sentimento que você deixar pensar, corrente feito os olhos. Lágrimas de cera podem escorrer em sua face. Não se assuste, é sentimento forte que estão pelos olhos.

Deixe a vela balançar. Permita que seu corpo por vezes se mova junto. Nesse momento pode parecer estranho, mas é valsa que se dança sozinho, é violino que toca o último minueto em salão vazio. Puxe para dança. Dance com a chama. Chore pela valsa. Salão vazio, com um violino. Luz clara, balançar de braços em abraço em próprio peito. A chama e corpo. A valsa e o salão. A chama e a última dança. Solidão.

Por fim, deixe que ela se derreta toda. É o tempo da vela, é o tempo da chama. Muitas pessoas se sercarão de ti com mais velas. Negue. É o tempo de uma vela e nada mais. Vela demais só apodrece o cadáver. Fede o corpo sem precisar.

Se acerque da chama, não deixe que qualquer outra pessoa assopre. Não deixe apagar por outrem. O pavio chegará ao seu último respiro. Não se assuste se seu pulmão levantar um suspiro. Solte o ar leve e ardentemente pelas narinas. Acompanhe a fumaça que sobe. 

Ela subirá alto, não faça nada. Pode doer subir tanto o rosto. Deixe que o pranto escorra mais, é rio sem peixe. Deixe seguir ao mar. 

Terminado o ar, é hora do véu, do crisântemo e do tampo. Finda a chama, levanta.

Vela que apaga a seu tempo enterra cadáver em breve vento.