segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Sentados

De um em um sentam-se ao chão. viram para o lado do sol. As crianças seguem as mulheres, que sentam-se ao centro do grande círculo. Pacientemente conseguem olhar para cada uma das árvores que os circundam. Aves voam baixo, anunciando um fim próximo.

A matriarca da oca olha de longe. Acende a fogueira para que a caça que está por chegar possa ser cozida. Mas observa tanto quanto as mulheres. Abana o fogo com uma mão e no esquecimento experiente, olha com toda profundeza dos tempos. O olhar penetrante, recolhe cada uma das lágrimas de um tempo incontável. É tempo de escuridão. É tempo de observação. Cada abanada aquece mais a lenha. Cada abanada aquece mais a esteira. A fumaça passa por entre o telhado de palha. Calmamente, passa.Tão calmo fecham-se os olhos. Mareiam de solidão e felicidade. Já sabem o que virá pela frente.

Os homens chegam e deixam cada uma das caças ao lado do fogo. Vão se silenciando conforme observam as mulheres. A matriarca pede silêncio e abana os caçadores: é tempo de sentar.

Sentam-se os homens, ao lado de cada uma de suas esposas. Outros sentam-se juntos, e viram-se na mesma direção. As crianças brincam, correm e de tempo em tempo sentam-se ao lado de suas amas. Mamam silenciosamente. Aprendem o infinito: olham para a mesma direção, coçam os olhos das sujeiras. É tempo do coração em remanso. Do quase-dormir, da boca que cai da teta.

Cores múltiplas surgem: tons de amarelos-vermelhos, laranjas sem fim. Azuis-pretos, misturas de combinações, mistura de gorjeios. O estalar da lenha dá sinal de um bom fogo. A caça pode ser preparada, mas não é tempo.

Quanto mais abaixa-se o disco solar, mais cada um dos membros observam. Cada piscada taciturna pode ser uma cor a menos a embriagar-se. Cerram os olhos para poder observar mais, o amarelo vivo torna-se laranja. O vermelho dá sua última linha, o verde da floresta ganha trevas. A explosão de cores vira uma imensidão de um não. Some.

Finda-se o pôr-do-sol. Finda-se cada uma das alegrias daquele dia. Do tinir das facas na macaxeira. Das crianças correndo. Da destreza do olhar ante as folhas: a caça voa-pula. A flecha é certeira. O ânimo é vivo.

A matriarca pisca lentamente por uma última vez, com o peito repleto de robustez e força. Ebriamente sai do torpor. Sorri com o canto da boca, como quem tem certeza do porvir.  O fogo vibra. Já pode sapecar a caça.

É tempo de levantar.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Nuvens III

Talvez nem todos um dia viram ou verão uma nuvem por cima. Essa possibilidade é fruto de um voo... O avião atinge a imensas alturas com o objetivo de obter altas velocidades, menos interferências de animais. Fora isso, olhar pela janela de um avião quando ele está sobre a camada de nuvens nos estranha.

Nos estranha pois as nuvens tornam-se um ar imenso. Vão longe, formam ondas longínquas, que passam de nosso horizonte. Vão e voam longe.

Formam montanhas. De uma imensidão de calmaria emergem erupções silenciosas e constantes, como uma ebulição de um imenso caldeirão, como um amontoado de cera de uma vela. Mas estão longe. Uma efervescência que vira um espetáculo. Do avião não sentimos esse frio calor: apenas imaginamos.

Um mar acima do mar: ali não se nada. Se conspira. Se contempla, a cada surgimento de uma de seus formatos percebe-se o quanto que o gigante dali não passa. Tem seus limites. Tem suas fraquezas. Ali termina sua robustez. A nave costura suas partes como uma  fina agulha ultrapassa um acolchoado de lã.

O ser humano conseguiu fazer uma máquina para ver o que víamos só debaixo. Compreendemos sua vulnerabilidade. Conseguimos chegar além das temperanças. Ultrapassamos o que imaginávamos ser infinito. E nessa infinitude, a pujança está em nós. Superamos as nuvens.