segunda-feira, 31 de agosto de 2015

A mais bela das cenas

É da Disney? Algum filme melodramático? Não, muito pelo contrário, é da vida real. Do cotidiano.

Ao fim de um determinado evento, duas garotas resolveram brincar no palco. Um espaço imenso pronto para os espetáculos. 

Poucos eram aqueles que permaneceram no lugar, apenas finalizações de bastidores. Uma olhou pra outra e na mais pura vontade do brincar começaram a pular. Pulavam a vontade, corriam, dançavam, pulavam, caíam.

As duas conversavam entre si: serelepes arquitetavam jogos. E corriam e pulavam.

Esta é a mais bela das cenas.

É a mais bela das cenas pois se tratava de uma criança com a trissomia do cromossomo 23 e a outra criança, não tinha um cromossomo a mais. Não se tratava portanto de um espetáculo, eram duas crianças. E para mim, as luzes do palco se acenderam para a mais real das peças, o mais belo dos espetáculos.

Duas crianças que pouco se importavam pela fisionomia: se importavam com o quanto cada uma delas poderia melhor ocupar o espaço do palco. Não se importavam com estereótipos, a amizade que se formava ali era o mais forte das relações humanas.

Estamos falando da relação de duas crianças. Uma com a síndrome de down e a outra não.

Estamos falando da pureza. Do ser criança. Do vivenciar e partilhar coisas bem e mal resolvidas em cada um dos inconscientes sem que houvesse qualquer diferenciação, como qualquer criança faz ao se dispor a brincar com qualquer outra criança. 

Ali não havia qualquer diferenciação: era realmente a mais bela das cenas.

Quem dera a humanidade aprendesse a ser tão criança assim e romper com determinados preconceitos vivos em nossa sociedade: tratar uma pessoa com síndrome de down por modos infantilizados não é legal, mas ouvir, quem quer que seja, onde quer que seja independente de qual seja a situação como alguém a ser extremamente respeitado como qualquer outra pessoa, tem sido difícil do lado de fora de nossas portas.

Mas voltemos, por favor, a mais bela das cenas: nessas horas podemos regredir e deixar qualquer tipo de preconceito de lado. Vamos regredir e vamos brincar de seres humanos, que compreendem diferenças e respeitam.

No passado, tivemos tiranos que souberam conduzir a humanidade numa grande e perversa regressão: "eu, pai-sádico castigador, te puno pelo nada, crio a mais 'pura das sociedades' e você tem que abaixar a orelha pras minhas ordens e, se porventura eu não for obedecido, a punição é imediata. Se aparentar algo fora do normal, elimino-o física e verbalmente". Dessa regressão não precisamos.

Precisamos repensar nossas regressões e observar o que há de diferente. Regredir para a nossa porção infantil e ver que não há qualquer necessidade de castigar, punir ou gritar com o outro, quem quer que seja. Comunicar-se educadamente com qualquer outra pessoa, independente da quantidade de cromossomos ou fenótipos apresentados é o mínimo que temos a obrigação de fazer. E de pensar. E de repensar as antigas representações ensinadas por velhos costumes dos "adjetivos negativos" e ver o quão inútil tudo aquilo foi.

A mais bela das cenas não precisa de fotos: ela pode ser imaginada perfeitamente, sabendo que ela ocorreu de fato, e pode ocorrer independente da idade das pessoas, independente do momento.

Que tal se essas duas meninas convidassem a cada um de nós pra brincar ali naquele palco de regredir, respeitar e compartilhar a experiência de ser humano? Está feito o convite.