sexta-feira, 20 de junho de 2014

Vem pro Bonde, vem!

É comum quando passamos a estudar Getúlio Vargas que passemos pelo Estado Novo. E no Estado Novo, por um forte mecanismo de controle de imprensa denominado, na época de DIP ( Departamento de Imprensa e Propaganda). Ele funcionava como um aparato de controle do que poderia ou não ser publicado durante a ditadura Vargas - e se pudesse, que elevasse a figura do ditador.

Neste caso, um dos exemplos mais conhecidos foi o do caso da letra de Ataúlfo Alves, da canção  O Bonde de São Januário. Na versão original, era um otário quem iria pegar aquele bonde para poder ir trabalhar.

“O Bonde São Januário
Leva mais um sócio otário
Sou eu que vou trabalhar..."


 Porém, diante de um governo que tinha por base a valorização do trabalhador ( lembremo-nos: a CLT fora montada em seu governo), mais do que rapidamente a DIP entrou em ação e exigiu que houvesse a modificação da letra. A partir daquele momento, ao invés de um otário, temos um operário que é levado pelo bonde. Neste momento, é uma pessoa que resolveu acertar na vida e trabalhar. Não mais um otário, supostamente desleixado, descrente do que deve fazer.

As vezes imaginamos que o incômodo da letra venha apenas de momentos ditatoriais ou de momentos de governos repressivos: se não gostasse, lá estava a censura, que com seu sorriso frio acabava entristecendo a vivacidade da liberdade artística.

Não seria muito diferente se fôssemos pensar nos dias atuais: Ano passado, (2013) neste mesmo período do ano, o Brasil vivenciou uma série de protestos que tiveram início no aumento da passagem do metrô na cidade de São Paulo: ao subir R$0,20, grupos uniram-se e conclamaram a população para lutar pela diminuição do preço do transporte. E não só isso: também lutavam por outras situações. Era a povo indo às ruas, exigindo melhores condições. Em cada cidade, uma preocupação particular. Uma reivindicação a parte. O povo começaria a perceber que a atividade da cidadania não se faz só nas urnas.

O momento esportivo daquele momento era a Copa das Confederações. A canção, protagonizada por Falcão ( a pedido da FIAT), fazia um pedido particular. Chamava a população para comemorar os jogos na rua. Mas a música acabou virando um ímã para as atividades de protestos, e em boa parte das atividades, seu refrão virou grito generalizado. As pessoas obedeciam. A rua virara a arquibancada das atividades da população.


Passado 1 ano, agora quem está dando as caras nada mais é do que a Copa do Mundo, como um dos maiores eventos esportivos do mundo. A população mundial ( Exceto Estados Unidos, que estão querendo entender que tipo de jogo é esse em que o ser humano tem a capacidade de chutar uma bola totalmente redonda e não uma bola ovalada) está sendo atraída para os televisores para saber quem será o vencedor da Copa deste ano.

Onde já se viu a população tomar qualquer tipo de atitude na rua? Por que não mudarmos esse ponto de vista e realizarmos uma canção que, ao invés de chamar a população pra rua, chamaria pra festa?

Eis que a situação fora amenizada: não chamemos a população pra rua, vem pra FESTA que acontecerá na rua.


A rua ainda é do povo, mas agora, temos que festar. Uma marca em particular não poderia errar duas vezes. O que se faz na rua é festa. E quem disse que não se fez a festa da democracia ano passado? Que festa que eles querem? Uma empresa em particular culpou-se por chamar a população sem saber e agora quer inverter os papéis? 

Não estamos em um estado ditatorial. A atitude foi de uma empresa privada. Mas, entre um estado e uma empresa, há o medo da ação popular. O que poderia acontecer se a DIP deixaria passar a letra dizendo que o otário iria trabalhar? O que aconteceria este ano, se a mesma música emblemática das passeatas fosse repetida? Melhor jogar água na madeira pra que ela evite de pegar fogo.

 Há várias formas de tentar enganar o povo de que algo não pode ocorrer. O Bonde de São Januário poderia carregar um otário, e preferiu-se carregar um operário. Hoje, vamos pra rua pra fazer festa ( Repare: na letra o destaque é a palavra festa e não rua como na canção do ano passado). E somos convidados a festar. Não nos esqueçamos: protestos durante a copa estão acontecendo. Não há cobertura da imprensa que queira falar sobre isso. Mas há repórteres de sobra querendo ver um gringo cantar Garota de Ipanema ou fazer qualquer asnada ao ver uma bela bunda loira passar por Copacabana.

Temos que aprender uma coisa: houve,há e sempre haverá um grande temor pela reação popular. Há mais poder nas mãos da massa do que se imagina.

E tenha a certeza que um carro não custe R$0,20.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Anéis de Saturno

Uma das primeiras visões de Saturno realizadas por Galileu Galilei em 1610, demonstrava que este planeta tinha orelhas. Isso: orelhas. Galileu Galilei ainda não tinha informações suficientes para tornar claro que este planeta era circundado por um gigantesco anel. Ou mesmo qual seria a serventia de um planeta com orelhas. Ora via grandes orelhas, ora via algo parecido com 3 planetas em um só.

Com o tempo, foi-se percebendo com o avanço da ciência que se tratavam de anéis. E que estes anéis giravam em torno do planeta até mesmo em uma velocidade diferente, se comparado com a superfície de Saturno.

Na atualidade, descobriram-se outros fatores mais: que há chuvas no planeta, que o planeta tem diversas luas, etc. Mas cuidemos agora dos anéis. Carl Sagan, em sua obra Pálido Ponto Azul traz uma informação intrigante: os anéis, apesar de tão visíveis por telescópio e de ser a atração deste gigante gasoso, são mais finos que uma folha de papel.

Uma folha de papel.

Peça pra uma criança desenhar um planeta e ela ficará fascinada em fazer um desenho de um planeta com anéis. Tal criança não sabe, mas o que mais a fascina é tão fino quanto uma folha de papel.

Uma folha de papel que, como o próprio Sagan dizia, tem a futura tendência a sumir. O planeta poderia ficar apenas com suas luas.

Já se sabe a tempos que os anéis são conturbados de tempos em tempos por meteoros. Ou seja, a parte do conjunto todo que denominamos Saturno, É tão fina quanto papel, tem a tendência a sumir e possui meteoros que bagunçam as argolas.

Assim somos: damos mais vistas àquilo que mais é chamativo, mais atraente, e não percebemos que o belo é temporário. Abandonamos o bom em detrimento do belo. Talvez os anéis chamem demais a nossa atenção, mas são temporários. Não vão sumir hoje nem amanhã, mas sumirão.

Por que não ir um pouco mais a fundo e descobrir o que se passa dentro do planeta? Por que isso não fascina a todos? Seria o homem fascinado naturalmente pelo efêmero, tal qual sua própria existência? A valorização do efêmero é algo visível em muitas pessoas, porém o verdadeiro interior, o verdadeiro eu, o profundo, o real é deixado de lado.

Aliás, por que não percorrer por outros planetas e verificar se há anéis? Já se sabe, depois das pesquisas das sondas Voyager, que Urano, Júpiter e Netuno possuem anéis. Talvez estejamos perdendo tempo em cima de algo espetacular, quando o sublime está em outros lugares, em outros planetas, de maneiras mais sutis, talvez imperceptíveis, que faça que nos atentemos mais ao planeta do que algo que talvez o embeleze.

O que seriam duas orelhas, três planetas, vários aros, é atrapalhado e sumirá. O planeta continuará. Outros planetas continuarão, e nem sequer nos atentamos para seus anéis, para seus detalhes. Focamos demais no belo, enquanto o desconhecido, o real, o duradouro, pode ser mais útil e necessário do que imaginamos.