terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Melhor não olhar pra ele

Pobre é a alma do psicólogo. Não diria que ele é pobre em si, mas por carregar uma sina muito bem conhecida por todos esses profissionais.
Mal sabe tal profissional da psiquê, mas ele é um mágico. Tem a capacidade de ver a alma da pessoa, de reconhecer cada falha ali plantada. De saber da mãe e do pai, de saber quando se mente, de se saber o que se tem em mente. Num só olhar. Numa respirada mais alta. Num dedinho do pé esquerdo que move o tênis, fatigado a se mover à esquerda.
Pobre. Pobre por não ser reconhecido por mais uma alma entre tantas. Poderia sentar-se normalmente em qualquer que seja a beira de bar, qualquer que seja o passatempo: falou que é psicólogo, vira alvo.
Alvo de consulta gratuíta, alvo de amedrontamentos. "Melhor não olhar para ele, vai que ele descobre algo sobre mim!". Um pobre estudioso da alma humana vira adivinho. Juiz. Moralista. Supostamente sabe o certo e o errado quando de fato isso é o serviço do impostor.
Mal sabem as bocas que quando abrem a boca em temerárias palavras em espadas em riste contra o psicólogo, o fazem inutilmente. O pobre é um ser humano que vaga como qualquer outra. Que age como qualquer outra. Ah sim, há aqueles que se aproveitem da situação, de um título honorífico que o colocaria nos mais altos dos pódios do Olimpo, mas esses dão-me preguiça. Esses tem a arte de afastar. Se não afastam por impor o saber do mundo com verbetes enfadonhos, afastam quando se conhece mais o sujeito e percebe que aquele que de Olimpo nem bem tem as poeiras que recobrem suas sobrancelhas. Farsas. 
A paciência de um óculos carcomido com o tempo, de um olhar penetrante em busca de uma companhia, de uma conversa de tempos rasgados, são jogados ao vento pela persecutoriedade alheia. O psicólogo é um ser humano mortal comum que muito tem a fazer quando está a trabalho. Fora dele como qualquer outra gente, faz o que lhe é necessário. Respirar, defecar, dormir são alguns exemplos. Pode olhar para ele.

PS: Se porventura as pessoas temem encontrar-se em local comum com um psicólogo, por que não temem um encontro na mesa de um bar com um proctologista?

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Nuvens II

De longe parecem tão fofas e tão belas. Com o fundo azul seus formatos ficam destacados.
Esparsas parecem fracas, breves manchas espalhadas ao longo de uma imensidão azul. Lentas, carregadas pelo vento. Conforme o tempo. Conforme o sopro.
Olhamos de cima pra baixo. Olhamos como uma criança observa seus pais, gigantes que ocupam o universo. Vemos o lado de baixo de cada um das nuvens. Tanto lentas quando rápidas, como fofas e algodoadas, vemos de baixo.
E se víssemos na mesma altura, no limiar que a faz ser nuvem?
As nuvens são escuras. Brancas, Espalham-se concentradas. Fortes, muitas  delas tenebrosas. A alva formação de águas escurece. Torna-se cinza. Em relação ao horizonte, se olharmos para a parte de baixo da nuvem, forma uma imensidão de cinzas. De potencial de chuva. De tempestade. 
De baixo tão apaixonante, ao mesmo nível tão espessa.
As nuvens acabam escondendo sua força total. De baixo nada disso aparece. No mesmo nível elas concebem uma beleza inquietante. Tão avolumadas e dispersas, nunca demonstram turbulências. Em pé de igualdade, raios e trovões escondem-se para um momento oportuno.
Na graciosidade das nuvens esconde-se o tumulto das tempestades. Só não queremos vê-las.