segunda-feira, 8 de outubro de 2018

Essa noite eu não dormi

Essa noite eu não dormi. A cama era grande em espaço e pequena para o meu incomodo. Não era o problema da cama. 

Relaxar não foi possível. Não foi o crédito que minha mente me dava. Naquele momento a ansiedade emanava de qualquer dos espaços. Todos os poros da pele purgavam constrangimento. O travesseiro perdia o seu formato, perdia sua necessidade. Estava reto demais para tantos pensamentos, estava afundado, perdia sua função.

Não era nem a cama, nem o travesseiro. Talvez a colcha, porém nem ela. Essa noite eu não dormi por que eu percebi que estava coberto por pensamentos alheios certeiros. Não estava protegido. Não estava aquecido, a cholcha era inútil. Não era a colcha.

Essa noite eu não dormi de angústia. De palavra não dita, de desprazer, de nojo. 

O possível novo me fez em mágoa. Mágoa de acreditar que alguns anos de luta por direitos podem virar pó. Eu estava coberto por pó. Era minha cama. Pó frio por tanto sentimento de ódio. De solução fácil, de morte e aversão, pó que gruda na pele. Na melanina, na sexualidade, no trabalhador, no indígena, em qualquer pessoa. Qualquer pessoa. Pó que num simples sopro, suja. Difícil de tirar, fácil de assoprar. 

Essa noite eu não dormi tentando entender porque  o frio que me partia o coração não vinha da janela. Vinha de palavras. De futuros atos violentos contra os direitos adquiridos. Era frio do passado, que quer completar o futuro.

Essa noite eu não consegui dormir. Minha cama não era cama. Não tinha travesseiro. Não tinha colcha, não tinha nada. Não era noite pra dormir. 

Essa noite a História virou literalmente passado. Virou propensão a repetir algo que não queríamos. Essa noite eu não dormi pois eu não vivi os momentos de tortura, mas aquilo que está incrustado em minha mente, de páginas e páginas de livros e estudos históricos de dor podem ganhar força. 

Essa noite eu não dormi por que a fantasia alheia de possíveis prosperidades mediante o tolhimento da liberdade, de cruzes suásticas que se levantam em meio ao silêncio dessa noite, pode virar realidade. O retrocesso é possível. A dor do outro pouco importa para aquele que esbraveja. Vira prazer - sorriso psicopata. Isso me tirou o sono. 

Fantasia essa noite foi palavra que pareceu muito a palavra fantasma.

Essa noite eu não dormi. Fui assombrado por fantasma disfarçado de bondade e pátria.
Fantasma que acordou e não quer mais voltar pro túmulo.

Não fui o único a ter medo de fantasma.
Essa noite muita gente não dormiu.