quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Superfuncionalismo público

Ah, quem nunca tele a brilhante chance de passar por um atendimento público na vida? Num hospital, prefeitura, ou qualquer coisa que dependa do apoio público?

É um atendimento amável e carinhoso. Somos sempre bem tratados e aconselhados devidamente. É assim que vamos tocando nosso barquinho.

É. bata a cabeça no chão e acorde! Serviço público não é bem assim. ( E não estou falando de todos os serviços públicos).

Quando trabalhei na Prefeitura de ?????gá, a palavra de ordem era: "não se mata não, senão eles vão montar nas suas costas. Quem se mata sempre leva no lombo, quem não faz nada, nunca é criticado. Fica na sua."

Trocando em miúdos: não adianta de nada você pegar, fazer o seu melhor, suar a camisa, que o seu salário virá o mesmo no final do ano. E de fato, o salário era sempre o mesmo. Eu era estagiário. Então, o regime de escravidão era realmente o dobro e o salário o mesmo.

Não seria a toa que comecei a reparar em algo um pouco mais interessante sobre as políticas governamentais brasileiras. Comecei a perceber como funcionam os comandos públicos e como sobrevivem os funcionários públicos.


Como funciona o comando dos funcionários públicos? Simples: Você entra, seu cargo é garantido, só sai por justa causa (e olha lá o tamanho da justa causa). Você recebe ordens, cumpre conforme o desejado depois recebe o hollerite no 10º dia útil do mês. Mas isso muda conforme chegam as eleições? Não. Isso muda quando entra um novo prefeito? Não, você pode ser até remanejado, mas a regra do seu novo setor é a mesma.


Os funcionários públicos velhos de carreira funcionam naquilo que lhe é atribuído e NON PLUS ULTRA ( do latim "Nada mais além" pra ficar chique). Fazer a mais não produzirá um hollerite maior. Ou não fazer as vezes também produzirá o hollerite. Depende da tarefa que lhe for atribuída. A questão é: bata o cartão, esteja no seu posto. Se vier alguma coisa, faça, se não, não.

A grande questão é que não existe um estímulo para que haja grandes modificações. Existem cursos? Sim. Mas eles não acrescentarão em nada a vontade do indivíduo desempenhar melhores trabalhos.

A grande questão é entregar o que deve ser feito. Atender o trabalhador na fila do INSS conforme o necessário e não ir além disso. Para ir além, existe outra pessoa específica. Você faz o seu e pronto.

Poxa vida, então é por isso que meu médico disse que eu tenho virose? É. Se você esteve num posto de saúde, o médico não te tocou, olhou pra tua cara e falou que é virose, sim, você está também diante de uma situação de um funcionário público.

É no espaço público que a gente percebe o quanto é difícil ver toda essa estrutura mudar. Entra ano e sai ano, a proposta governamental muda, mas o modus operandi não. Do médico ao balconista, a questão é a mesma. malemolência.

Não pelo fato de trabalhar, mas pelo fato de se matar. De dar o sangue. Não adianta. Não receberá a mais e sua cadeira onde você senta continuará a ser rasgada, e suas condições de trabalho, a mesma.

E tente modificar essa situação para ver se você não vira um motivo de chacota? Me lembro de uma funcionária que era extremamente Caxias, não saía da linha nem por piedade. Conhecedora de todas as regras do seu setor e dos seus deveres. Se pedissem algo além, lá estava ela com regras na mão. E mesmo que fosse pra quebrar um galho, regra é regra. E mais uma vez: nada de ir além.

A grande questão é que o funcionalismo público tem regras próprias, independentes da política. Muitas vezes nos esquecemos que o funcionário público não muda quando mudam os líderes. Ele permanece. Então, entra gestão, sai gestão. o funcionário é o mesmo.

Lembro-me de uma vez em que fui tomar um café para uma pausa. Ao pedir o café para uma das funcionárias do setor de limpeza(que n]ao era o meu setor), fui logo alertado: "só toma café aqui quem paga. Quem não paga, não toma." E não tomei. Achei dura a situação, pois conversávamos sempre como velhos conhecidos. Mas naquele dia, que pensei que ganharia uma cafetito, a regra foi mais forte. Recordo-me ainda de um funcionário que sempre que via que quando alguém daquele setor ia embora, ele me telefonava para dizer: "elas foram embora, vamo tomá café." Lá ia eu (quando a chibata não estava nas costas, óbvio) tomar café e proziá!

A regra era simples: do setor elas tinham o menor salário. Mas unidas eram mais fortes. E como eram. Não tinham medo de fazer careta. E eu não tinha medo, sabia que eu era temporário ali.

E por isso eu era tratado daquele jeito. Ele vai sair, nós não. Então ele que saiba das regras corretamente para não infrigi-las. Quando eu queria café, eu tinha que fazer pro meu setor inteiro. Se eu dependesse delas, não tomaria. Então a saída foi cada setor daquela secretaria comprar seu pó de café e fazer pessoalmente. Pronto, assim nunca mais ninguém reclamaria. E que não peça para ninguém da limpeza fazer, que ninguém ali é era empregada de ninguém.

E de fato elas estavam certas: não tinham a obrigação de fazer café pra ninguém. Mas o meu maior medo era a forma de união que elas tinham entre si: um poder impenetrável para o qual sobreviviam aqueles que cantavam no mesmo ritmo da música delas. Não quer cantar, vá buscar em outra freguesia. E mudou quando o prefeito mudou? Não. Quando o secretário do setor mudou? Não.

Nunca tive medo de tomar café. Mas como estágiário público, café era sem açucar e sem afeto.

Concluindo: o funcionalismo público, em sua totalidade, é mais forte que o próprio governo de situação. Entra governo sai governo, o funcionalismo em si é o mesmo.

O buraco é mais embaixo. O fucionalismo público é base para que a política possa progredir. Entra governo sai governo, nossa pergunta deve ser: se esse governo mudar, será que a política de funcionalismo público melhorará?

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