segunda-feira, 7 de setembro de 2009

O falso e temido herói brasileiro

Acho engraçado quando alguém me procura pra falar sobre D. Pedro I. Muitas pessoas preferem endeusá-lo, a ponto de torná-lo um dos maiores brasileiros.Outras pessoas ainda procuram outras figuras, tal como Tiradentes, José Bonifácio de Andrada e Silva, e até o próprio Marechal Deodoro da Fonseca.

Muitas pessoas vem tais figuras como heróis da nação - indivíduos que deram o sangue pela prosperidade e o bem da pátria brasileira. Não posso negar que o papel deles foi importante. Mas heróico?
Quando desenvolvi minha pesquisa sobre a Independência do Brasil durante o período universitário, não achei nenhum documento que endeusasse Tiradentes. Trocando em miúdos: ninguém que fosse a favor da Independência brasileira queria tê-lo como símbolo de uma luta separatista, e uma nação livre.

Minha pergunta constante sempre foi: se ele, que hoje é considerado um mito da luta contra a opressão portuguesa é lembrado, por que no momento da Independência, ou mesmo no período que segue suas conquistas e formações de pensamento (1821-1822) fora lembrado? Ué, ele não é um herói?

Acabamos nos esquecendo que sua imagem fora enaltecida no período que segue a forca da nação monárquica. Comparar Tiradentes a figura de Jesus, era criar, no período do enfraquecimento da estrutura da monarquia, ou seja, nas últimas décadas do século XIX, um indivíduo que pudesse mostrar a luta sangrenta pela nação brasileira. E não é a toa que Pedro américo terminou a pintura de Tiradentes esquartejado em 1893. A nação republicana era novinha, novinha. Saiu um pouco atrasada, mas... saiu!

E não é diferente com outro quadro de Pedro Américo, sobre a independência do Brasil. Chega a ser emblemático. Demonstra uma imagem heróica, bela e imponente de Pedro I sobre a guarda portuguesa. O Grito do Ipiranga torna-se uma das imagens emblemáticas da nação monárquica. Mas fora pintado na década de 80 do século XIX, ou seja, muuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuito tempo depois da do "grito" ser proferido.

Não passam de tentativas de recuperação de imagens supostamente heróicas. Mas não é que deu certo?

Não recuperamos a monarquia, graças! Mas a imagem ficou guardada na memória brasileira. Não recuperou o heroísmo e as conquistas monárquicas, mas conseguiu marcar como ma imagem heróica. Também dera: vá até o museu do Ipiranga e procure o famoso quadro de Pedro Américo. Se você se esquecer de sua existência, provavelmente você estará com um problema de memória. O quadro é pequininiiiiiiinhooooo...
Pronto: o mito fora culturalmente criado. Enraizou-se na imagem brasileira. A imagem cria-se automaticamente: falou de Independência? Falou de Pedro Américo. E não é por um acaso que nas escolas, os livros didáticos enaltecem tal imagem. E principalmente na época da Ditadura Militar, em que a figura de um Brasil próspero deveria ser o principal prato do dia. Assim, nos distrairíamos com heróis, espadinhas de papel e chapéus de soldadinho. O herói Brasileiro é imposto, a História a ser ensinada é introduzida guela a baixo. E critica-se um herói? Jamais! O herói salva. Morre por uma causa. E só conversar com alguém que passou pela educação básica no período da ditatura: falar mal dos heróis é como tacar pedra na cruz.

Não é interessante ter indivíduos críticos: eles devem obedecer a imposição histórica e seguir rio abaixo. E já tomei bronca pro criticar D. Pedro I e Tiradentes. Bem feito: quem mandou mexer com alguém educado pela ditadura?

Esse heroísmo imposto é perigoso: não é atribuída ao indivíduo a opção de criticar. É herói e pronto. A experiência viva dessa imposição que tenho é de uma escola onde lecionei por 2 anos. Na Semana da Independência, a bandeira nacional é exposta em seu mastro maior durante todos os dias da semana que segue pacificamente. E em um dos dias, a bandeira não fora estendida. OOps! Falha de quem?

Naquele dia, uma das funcionárias correu até mim desesperada, quase em gritos:" Por favor, você é o professor de História, estende logo a bandeira! Nossa escola fica atrás do fórum! A gente pode até tomar multa do fórum por causa disso!". Ri por dentro, e pra não deixar a coitada com mais medo ainda de uma bandeira, fui lá e a estendi.
Temor a nação. Essa é a experiência que pude tirar daquele dia. Um ser que foi educado no período da ditadura ainda não acordou que o exército repressivo não existe mais. E fórum não dá multa pra ninguém. Mas para ela dá. E para ela, os heróis nacionais provavelmente sejam figuras intocáveis. E temerosas. Onde já se viu temer a bandeira brasileira? O temor era indireto, mas existia. A nação opressiva persiste em existir.

Temor ao herói. Ele nos salvou e é uma figura intocável.

Trocando as figurinhas: a educação construtiva da ditadura militar cumpriu seu papel. Deixou pessoas medrosas a nação livre, e heróis impostos se tornam figuras significativas para o grande nada.

Reação dessa imposição, é o esgotamento imediato sobre os heróis. Durante a ditadura, D. Pedro I era o grande herói. Hoje é mais um dia de feriado. E graças! Feriado! Assim eu posso descansar.E precisamos de uma imposição tal qual um feriado para lembrarmos que algo importante aconteceu. O calendário precisa nos parar para um fato importante. Dia de Tiradentes, Independência do Brasil, Dia da Proclamação da República! Eu adoro o calendário!
Os heróis de hoje são outros. Todos procuram um descanso a nação temerária. Ninguém mais aguenta um D. Pedro I que proclama heroicamente. Ou mesmo uma bandeira que pode provocar uma multa em uma escola. Lógico: a imposição cansa. E impor tais heróis sem criar a crítica de o porquê de ele ser de fato um herói, desgasta qualquer um.

Cansa tanto que procuramos outros tipos de heróis. Heróis da nossa própria sociedade, que não salvam ninguém, mas nos fazem rir. É só vermos um indivíduo que fala uma palavra simples, agrade a todos e pronto: nasceu um novo herói. Salve Zina!

Zina não é um herói, é o clássico Anti-herói. Não tem vida exemplar. Bebe e fuma pra caramba. Mas já está na boca de todo mundo. Por quê? Por causa da mídia. E por causa do público que o aceitou de braços abertos. E não precisamos temê-lo. Aliás, ele nos faz rir.

A ditadura militar cansou a mente dos professores, que insistiam em criar indivíduos sem crítica. O herói existia e pronto. A ditadura cansou a mente dos antigos alunos. Criou brasileiros temerários. Agora meceremos descanso. Não matamos D. Pedro, nem Tiradentes nem qualquer brasileiro brilhante. Mas podemos criticá-los. Um indivíduo crítico se torna dono de si. Não é um dos sentidos da liberdade?

Meus caros: a ditadura militar acabou. Critiquem à vontade. Bandeira nenhuma vai te causar multa. Não é preciso ter espadinhas de papel.
E quem disse que precisamos de heróis históricos? Nossos heróis são vivos e atuais. Seleção Brasileira. Zina. O herói é contemporâneo. E não é herói. E não precisamos de feriados para necessariamente lembrarmos deles. Quer melhor que um herói que nos convida a sentar-se diante de uma televisão e tomar cerveja?

Um comentário:

  1. Adorei o texto. E até imagino de quem vc levou bronca por questionar os heróis nacionais...
    Agora, os estudantes brasileiros têm q aproveitar a liberdade de expressão e a liberdade de seus professores para ensinar e eleger heróis que realmente o sejam.
    "Ronaldo, brilha muito no Corinthians!"

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