sábado, 15 de maio de 2010

Último dia de vagabundo

Não sei se já repararam, mas tenho uma certa tendência de reparar o que anda rolando na mídia, e não foi diferente desta vez. Deparei-me com um comercial um tanto quanto atrativo do EcoSport 2011 da Ford.



Um comercial um tanto quanto atraente. Se fôssemos pensar no objetivo, de demonstrar que o carro é um dos meios da busca da liberdade, da vida sem limites, esse comercial atingiu o seu objetivo. Jovens entre seus 20 e 30 anos em busca daquilo que o mundo melhor oferece.

Quem dera fosse qualquer mundo, mas é o mundo natural, sem prédios nem antenas. É o mundo em que não dependemos da rotineira vida de trabalho. Nosso despertador toca, plena segunda-feira... por que trabalhar?
Não! Vivamos a vida de amizades e naturezas.

E no outro dia? Mais um dia de viver como se fosse o último dia. De naturezas e prazeres. Não há obrigações: uma placa de não ir em frente significa "burlar e saltar para o mais profundo rio de ausência de obrigações."

E por que não dizer também que podemos encher uma piscina com espumas e fazer uma festa que nunca ninguém faria?



Talvez o espiríto envolvido nesta situação não é diferente da liberdade que proporciona um carro - muito pelo contrário, essa foma de expressão pode ser feita até mesmo com uma bicicleta de traseira abarrotada de espuma. Mais uma vez juntamos os amigos e convocamos o mais célebre dos instintos: BE THERE. Esteja no lugar do divertimento, da festa, dos amigos, do diferente.

E por que não dizer também que o seu tênis, o seu pisante também lhe proporciona prazeres fantasticamente incríveis?




Este comercial, envolvendo celebridades da atualidade (coincidentemente ou aparentemente jovens) apresenta uma alternativa um anto quanto parecida com o comercial da Smirnoff - um ambiente alternativo, porém de aceitação universal, tal qual a própria mara da Adidas. Todos sempre s reúnem em uma felicidade coletiva, praticamente enebriante, em que todos sem excessão são felizes com Adidas. Lá está ele, o tênis, compartilhando o momento ao lado de tantas pessoas famosas que fazem a opção pessoal de usarem tal marca.

Intriga-me a forma pela qual somos envolvidos nessa situação toda - os comerciais, apresentando vidas ideais, festas alternativas bacanas em um grupo jovem.

Maravilhoso se não fosse fora da realidade. Creio eu que os dois últimos comerciais demonstram o prazer e ser jovem, de estar em ambientes completamente urbanos, porém facilmente burláveis, como quem quebra regras do cotidiano social -o mundo cinzento do concreto armado não foi feito apenas para apartamentos e empresas - eia a criatividade e o mundo proporcionado pela quebra de ambientes rigorosos no comercial da Adidas e Smirnoff. Subir uma escada rolante com um saco cheio de espuma, cujo volume ultrapassa os limites físicos da pobre escada não é dizer  que "eu-posso-e-ponto-final"? Ter a melhor manobra de skate e promover uma corrida sem motivos aparentes, com uam torcida numerosa e animada não é dizer que "agora-eu-consigo-alcançar-meus-limites"?

E por que não bater em um dispertador e abrir uma lista de afazeres, de estratégias bucólicas? O indivíduo não precisa do "cinza-concreto", já tem em si o "verde-mata". É a forma pela qual podemos obter o mundo da imortlidade, de atingirmos nossas metas e vivermos sem grandes preocupações. O próximo dia será o dia de "viver-o-último-dia-despreocupado-de-obrigações".

E por que não dizer que os três comerciais, coincidentemente, como tantos outros mundo afora, não apresentam as dificuldades ou o dinheiro que temos que ter para obter um desses produtos? Não, o prazer não tem preço.

Não tem preço eu ter entrado em uma sala de aula do Segundo ano do Ensino médio do estado (SP), e percebido entre os cadernos dos alunos que o desenho que eles mais gostavam de fazer era o símbolo da adidas. Linhas transversais em uma cor universal - o preto. Fiquei um tanto quanto incomodado com isso, pois percebia que os alunos sequer usavam algum produto da marca. Mas lá estava o símbolo, tanto no quadro de recados, riscado à ponta de um compasso, quanto na última folha do caderno. O que atraía esses alunos?

Talvez não seja as fortes marteladas que o mundo dos comerciais dão, indicando um mundo ideal, com aquele produto? No imaginario daqueles alunos, o mundo ideal era fora da realidade financeira deles - era imaginativa e tinha um símbolo definido. E de outras marcas também, o da Nike, Puma e outros. Cujos produtos falsificados rendiam-lhes comentários entre os colegas de que aquele está com uma boa marca. Falsificado. Com o símbolo ideal, numa vida igual. Nada mudou, a não ser a atenção recebida. Um problema de carência e de um idealismo que fere a quem não vive a "realidade-símbolo".

O mundo ideal é demonstrado por uma bebida, um carro e um tênis. Por quem não pode ou não tem, fica o mundo da imaginação da amizade, liberdade e prazeres.

O alvo é a juventude - pronta para viver e compartilhar sentimentos. O alvo é a juventude que se confunde com o mundo real e se confunde com o mundo irreal - conquistar objetivos sem preços. Nem limites. Ua bela de uma manipulação mental.

E por que não dizer da manipulação mental quando estamos em um mundo, cujos jovens tem tantas dificuldades em escolher suas carreiras, em dizer como será o amanhã, ou mesmo pensar no futuro? Carpe diem diria eu aqui, mas o carpe diem dos comerciais é uma oferenda a juventude que prefere o fácil, as praias, o burlar, a piscina de espuma em uma festa alternativa, com a presença de Snoop Dog.

Mostrar que o mundo dos prazeres tem seus objetos definidos é fácil. Lembrá-los do mundo real, dos salários, do concreto, das notas baixas e da vida difícil, cansa. Vamos viver o que há de bom. O despertador toca para um dia de prazeres, não de estudos. O tênis me leva para um local esquisito de gente legal, não para a minha escola. A vodca faz uma festa criativa, não um hospital e para a glicose.

Eu posso me considerar velho perto dessa geração que vivencia tudo isso, mas não sou burropara enxergar que a realidade é mais crua que imaginamos. Que tudo que conquistamos depende de nossos esforços, não aparecem num estalar de dedos. Que a sociedade massacra tais cérebros em favor do consumismo inútil. De deixar de ser vagabundo que vive a beira-mar e trabalhar em prol do bem-estar da sociedade. Que não é o tênis que fará a escolha no questionário da Fuvest quanto ao curso que vou prestar. E que tudo depende(infelizmente) do dinheiro, então acorde e vá lutar pelos seus sonhos, pois nada aparece num toque de varinha.

Eu e todo mundo, inclusive a nossa juventude, não depende de carro, vodca e tênis. Pode ter diversão, mas não uma estigmatizada. Podemos ír à praia paradisíaca, mas o carro pode ser um fusca. A festa pode ser muito legal, mas fui de sapatos comuns, e bebi água por ser uma opção pessoal.

No final de tudo, se tirássemos o carro, a vodca e o tênis, veríamos que tais marcas ideais são apenas objetos. Poderia ser uma garrafa de água. Ou mesmo um fuquinha 66. Por que não sandálias confortáveis? É a mídia. São os cérebros.

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