Outubro é mês de barulho noturno. É mês em que as cigarras começam a fazer o seu trabalho musical e a chamar as suas fêmeas. Quem canta é o macho. Quem escuta é a fêmea e os seres humanos.
As cigarras anunciam a chegada do verão, sem qualquer exatidão temporal. Cantam em época próxima. Ou antes, ou depois. Não muito antes, nem muito depois. Começam seus barulhos e tornam a noite um silêncio ensurdecedor. Anuncia o verão, anunciam o laranja das tardes.
Este ano, uma cigarra cantou. Pode ser que não fosse uma cigarra. Fossem várias, mas poucas. Ouvia-se de longe. Ouvia-se timidamente, como uma resistência. Ainda ela cumpre o seu papel diante da natureza e de sua própria reprodução. O mês de dezembro é o mês em que a orquestra está toda unida. Havia o spala tocando sozinho, um solo solitário, sem acompanhamento posterior, sem prelúdio, sem finalização.
A persistência do cântico era duradouro. Parecia chamar as outras cigarras a acordarem de um pesadelo, levantar-se diante da sombra, levantar-se diante da depressão. Só ela cantava, chamava possível fêmea, chamava possíveis machos.
Não se ouvia outros cantares. De qualquer jeito, o que se ouvia era o silêncio que qualquer noite de qualquer época do ano possui. Dezembro estava com cigarras silenciosas, tímidas talvez. Inexistentes. Exceto aquela, que de longe, gritava para o barulho de pneus distantes, buzinas mais distantes ainda e festas com músicas estridentes e longínquas.
Dezembro atípico. Cigarras ou não saíram da terra ou resolveram se calar. Permaneceram mudas, ininterruptamente, mesmo que o vibrar do seu corpo pudesse produzir o som. Não anunciaram nada. Exceto aquela, que de longe insistiu em dizer que as tardes são longas e as manhãs são mais cedo. Canta possivelmente sozinha. Berra, berra ao longe. Pranteia o dezembro.
Esse ano não houve outubro. Não ouve o dezembro. As cigarras aguardam sóis mais estridentes. Solos mais encharcados.
Amanhã será mais uma noite. E a cigarra talvez surja. Pode ser que se una ao teatro mudo. Quem sabe o anúncio deste ano seja o silêncio.
Nenhum comentário:
Postar um comentário