Lembremos por exemplo dos anos 80, em que algumas pessoas escolhiam seu melhor set de músicas, gravavam-nas em fitas e saíam pelas ruas com seus rádios no ombro. Escutavam sua música e chamava a atenção para quem estivesse por perto. Dançar junto fazia parte. Era parte de uma cultura em que algo que fazia bem ao sujeito ( ou não, dada as proporções auditivas) propriamente deveria ser ouvido pra outras pessoas. "Ouço e ouvem: eu decido por onde se passar".
Os fones de ouvido, ao longo do tempo foram reduzindo de tamanho e sua utilização acabou sendo cada vez mais frequente e popular. Nos últimos anos percebemos que os fones voltaram a tamanhos significativos, não apenas para o ouvido. Multicolorido ou monocromático, entretêm o ouvinte.
O que diferencia um do outro? No primeiro caso, o ouvinte pode tirar o rádio do ombro, aliás, interage auditivamente com as pessoas ao seu redor. O ambiente onde o sujeito estaria proporcionava uma comunicação ( desde que se abaixasse o volume, venhamos e convenhamos). No segundo caso, o sujeito ouve sozinho. As borrachas que entram no orifício auditivo vedam quase que hermeticamente, impossibilitando ouvir o seu espaço.
Trocando em miúdos, estamos ficando um pouco mais individualistas. Não queremos ouvir o que vem de fora, não aceitamos, temos preferido o isolamento. Distração? Sim, ela existe, porém não podemos deixar de observar que não se ouve o lado de fora. Tendo a pensar que cada vez mais fazemos barulho para não nos importunarmos com o que nos machuca. Isolamo-nos. Vedamo-nos numa música ensurdecedora e prazerosa. Não damos espaço para escutar o que nos fere do exterior e aumentamos o volume freneticamente para não escutarmos o que nosso pre-consciente deixa escapar das escuridões inconscientes.Estamos nos tornando uma sociedade que foge da realidade. Ora, se realidade fosse algo apenas benéfico, não teríamos mecanismos de defesa do ego. Porém a realidade nos fere.
Estamos nos tornando uma sociedade que foge da realidade por não ter conteúdo suficiente para compreender nossos problemas. O mundo externo e interno são facas afiadas demais.
Quem dera pudéssemos dar a chance de ouvir o mundo externo e interno? Compreender o que vem e o que fica, o que usar ou não usar no nosso mundo psiquê. Ter essa luz seria de extrema importância para a autocompreensão. Música alta não faz esquecer, só ensurdece um barulho mais forte, um conflito intrapsíquico de proporções incompreensíveis.
Nos isolamos: preferimos correr para dentro do útero materno e nada escutar. Ali permanecer, longe dos cacos de vidros que a vida nos oferece. Quem dera pudéssemos voltar um pouquinho no tempo e botar os rádios de volta nos ombros: o que havia de estrelismo, havia também de contato com o mundo.